Crônicas de Itanhaém do Tempo da Tia Céia

Tino Zwarg

Parte I

Creio que foi, em 1938 ou 1939, quando passávamos um fim de férias em São Vicente... Um amigo de meu pai, cujo nome não recordo... convidou-nos a conhecer Itanhaém.

Eu estaria com oito ou nove anos e lembro bem que atravessamos a Ponte Pensil e fomos de automóvel pela praia, naquela época completamente deserta. Mas "fixei" tão somente o automóvel circulando, perto d'água transpondo os riachos bem na beira das ondas. A praia imensa! E o Hotel, onde almoçamos , um enorme casarão de madeira e, só muitos anos após, soube que o neme era "Esplanada" e que fora destruído num incêndio.

Tempos, depois, não me recordando se durante ou após a II Guerra Mundial, fui novamente a Itanhaém, levado pelo querido Tio Lara, com a tia Cecilia (irmã da minha mãe) pelo primo "Guib", para veranearmos na casa de contra-parentes do Tio Lara, de sobrenome Lobato, mas não os "Lobatos" do "Belvedere", sito quase em frente à "Boca da Barra", mas de sobrenome idêntico.

Recordo bem que descemos a serra do mar de trem pela antiga SPR, a Estrada que os ingleses construiram, com uma "cambadinha" de primos de muitas idades, completamente alvoroçados com a viagem, uns empurrando os outros, querendo o melhor lugar na janela do trem, provocando "chiliques" na Tia Cecilia, receiosa de que algum de seus "pintinhos" (nós éramos terríveis) caisse pela janela do vagão.

Pegamos o trem na estação da Luz, na Capital e, a parada importante foi em Paranapiacaba, no alto da serra, onde a composição dividiu-se em duas partes e os passageiros da 1a. classe desceram na frente e nós, a 2a. uns quinze minutos depois.

A paisagem da descida, deslumbrante, num dia claro sem neblina, mas nós a molecadinha, queríamos mesmo entender o que era locobreque e como os trens subiam e desciam a serra, seguros naqueles grossos cabos de aço, que rangiam e corriam ao lado de linha paralela.

Fazíamos uma algazarra danada quando a composição passava pelos inúmeros túneis da velha subida e ficávamos deslumbrados aos passarmos os viadutos, os abismos e quedas d'água.

Tio Lara descrevia e explicava, com aquela paciência de inglês e atropelávamos sua paciência com centenas de perguntas e porquês. E nisso, chegamos a Cubatão, com a molecadinha arreliando e rindo do nome "esdrúxulo", da Cubatão que naquela época não passava de uma estação de madeira (que bem como diria o caro tio Lara: construída em pinho de riga na velha Albion e, tão somente montada no Brasil), rodeada então de bananais a perder de vista. A cidade propriamente dita, de uma rua só! - Por onde passavam uns poucos automóveis, caminhões e ônibus que haviam descido ou que iriam subir o velho caminho do mar, de Washington Luiz.

A composição continuou a viagem entre bananais e mangues e entramos na terra de "Enguaguassú" dos selvícolas, a cidade de Brás Cubas, a libertária Santos dos irmãos Andrada, hoje mais conhecida como terra do "Ministro Pelé" do Santos F.C.

A velha estaão da S.P.R., com pequenas modificações, ainda é a mesma, (mas o Bonde da Cia. City, que esperava os passageiros vindos pelo trem, não existe mais) e lá se foi o bonde se arrastando, pelas acanhadas ruas da cidade-porto, até a magnifíca Avenida Ana Costa onde descemos, em frente à estação Sorocabana "velha de guerra".

Como o trem só sairia no dia seguinte, hospedamo-nos numa pensãozinha quase ao lado do Educandário Anália Franco, onde passamos a noite.

Tive muito orgulho, anos depois, em ler na placa da fundação desse Educandário, o nome de nosso tio avô Dr. Ibraim Nobre, Tribuno da Revolução Constitucionalista de 1932, um de seus fundadores, mas isso é outra estória e ele, aqui entrou, em homenagem a sua sobrinha Cymodocéa Galhardo Rocha e Nobre que se transformou anos depois, na tia Céia de Itanhaém, de tantos sobrinhos, minha querida mãe.

E no dia seguinte, mal a estação abriu, já que a pontualidade inglesa do tio Lara era correta, lá estávamos esperando a bilheteria abrir para embarcarmos na velha "Maria Fumaça" que queimava lenha de verdade, soltava fagulhas em profusão e, de tanto em tanto, parava para beber água.

No horário marcado, lá se foi ela e os vagões se achocoalhando na bitola estreita da linha rumo a São Vicente que disputa com Cananéia, ser a "célular mater da nacionalidade" e assim passamos raspando a praia do Itareré e o morro do Voturuá, hoje conhecido como aeroporto de "Asas Delta".

Da estação de São vicente, a primeira das inúmeras parada, a máquina saiu célere, apitando a bom som, resfolegando e espirrando fumaça, para minutos depois atravessar bem devagarinho a ponte dos Barreiros que segundo diziam, tremia toda, nas passagens das composições, devido à fragilidade das ferragens corroídas pelo salitre e a instabilidade do solo. Vencida a ponte, passou a composição por enorme mangue ainda existente e parou em Samaritá...

Continuando a viagem, umas três horas depois desembarcamos não na velha Conceição de Itanhaém, mas sim, logo depois da ponte, graças a uma "gorja" como se dizia então, dada ao Chefe do Trem, descemos e, do outro lado do rio, depois da "Ponte Enferrujada" (que inspirou meu mano Antonio Bruno numa canção, Ponte Enferrujada - gravada por Silvio Caldas), para seguirmos a casa que nos ia receber.

A casa, sita atualmente na Avenida Pres. Kennedy - que aquela época não passava de uma rua de areião, num túnel vegetal, perfilava com uma dúzia ou mais de casas de veraneio, desembocando esse túnel na Praia dos Sonhos, onde também já existiam mais de uma dezena de casas de veraneio frente ao mar, encravadas no "jundú". A casa onde passei a primeira temporada de estio, ainda está lá, como que inatacada pelo tempo e salitre, marco duma época.

Destarte, a primeira Itanhaém que conheci, era iluminada por "Lampiões de Querosene" (que eu e o Bruno homenageamos numa canção e eram uns poucos "petromax", aqueles de "camisinha"). Uma Itanhaém de banhos de mar, correr atrás da bola e dormir de cansado, sem ao menos sentir os pernilongos e murissocas ou "micuíns".

Naturalmente, aquela maravilha era meu "chodó" e como o tio Lara acabou construindo também sua casa, passamos a ser seus hospédes permanentes das temporadas de veraneio, de cantorias e passatempos de baralho.

E não é que papai, que trabalhava há anos na Diretoria da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira em São Paulo, resolveu abandonar seus encargos e aposentar-se, para gozar definitivas e merecidas férias na Colônia de Férias da Companhia Seguradora Brasileira, sita em itanhaém à Rua Cunha Moreira e, encantando-se com o bucolismo da cidade praieira, para surpresa nossa, adquiriu uma casa na Rua João Mariano, onde hoje está instalada uma Ótica e o Supermercado Saito.

Deixamos definitivamente a velha São Paulo da Garôa e a Rua Frei Caneca da minha infância e nos instalamos no "Burgo de Anchieta" onde o meu pai passou a ser conhecido como Seu "Arnesto", ante o samba de Adoniram Barbosa...

De mala e cuia, uma parte das coisas vindas pela "velha" Sorocabana, viemos eu, o Ernestinho, como então chamavámos o "Júnior, o "Arnesto" pai, Ismael e a Tia Céia, para fazer parte da velha Conceição de Itanhaém.

II Parte

Mas demorou um pouco para deixarmos de ser turistas e passarmos a ser realmente itanhaenses, ou imaginar que fossêmos.

Mamãe, nascida em Capivari, criada em fazendas e cidadezinha do interior, acostumada por isso à vida calma das velhinhas interioranas, foi a primeira entre nos a se naturalizar itanhaense.

Papai, que carregava nos "erres" de seu sotaque de filho de alemães, com a mansidão de seus olhos azuis, sorriso fácil e de papo fácil, transformou-se repentinamente em itanhaense, com sua simpatia e versatilidade de homem do comércio, acostumado a usar picardia para sobreviver na cidade grande, na selva de paralelepípedos da Piratininga de antanho.

Ismael, ainda menino, matriculado no Grupo Escolar e fazendo a Primeira Comunhão, virou itanhaense nato.

Eu e o Ernesto, demoramos um tempo maior para nos adaptarmos à vida pacata. Inicialmente, estávamos mais entrosados com os turistas de temporada e de fim de semana, em serenatas, namoricos e banhos e mais banhos de mar e de rio e, especialmente, em escalar os costões, "pegar ondas", que àquele tempo chamávamos de "pegar jacaré". Erámos mais vistos como "filhos de papai", boas vidas em férias permanentes.

Mas meu pai, apesar de ter tentado transformar-se em autêntico caiçara, não o conseguiu. Nunca foi pescar e em todo tempo que morou em Itanhaém, foi tomar banho de mar, no máximo quatro vezes.

Era incapaz de andar de tamancos, - calçado oficial da cidade, fabricados na "Tamancaria Cacique" - e continuava a calçar sapatos e as indispensáveis meias, como sempre fizera em sua São Paulo.

Para preencher as incontáveis horas disponíveis, inicialmente montou uma lojinha de material de construção.

Nisso apareceu em Itanhaém um cidadão que lançou um jornal na praça - o "Jornal de Itanhaém" - impresso na capital do Estado, cujo primeiro número datava de 21 de março de 1948.

Como, eu não sei, mas o cidadão acabou convencendo meu pai, que também não era do ramo, a adquirir uma tipografia e a instalar em Itanhaém, que não tinha uma gráfica desde o tempo de Antonio Mendes. Para a instalaçao teve que construir um salão para a oficina . Quem trouxe o maquinário da capital para Itanhaém foi o amigo Paniquar, co-proprietário da Padaria do Manoel Jorge, seu sogro e que tinha um caminhão em condições de efetuar o transporte. Para buscar o maquinário - fui junto com eles - depois de vencer a serra, descendo-a com muito cuidado, atravessar Santos, São Vicente e pela Ponte Pensil... vínhamos tranquilos, mas, ao passar por um dos riachos, antes de Mongaguá, o caminhão, ao pasar bem à beira d'água, com a carga pesada, meio traseira, deslocou o eixo de equilíbrio e, quando as rodas traseiras chegaram no rio, a frente do veículo elevou-se e, se não fosse a inteligência e a malandrice do Paniquar, que determinou que saíssemos da cabine e subíssemos no parachoque dianteiro, trazendo, assim, as rodas dianteiras para o chão, fatalmente a tipografia que tinha o pomposo nome de "São Benedito", ficaria irremediavelmente destruída antes de ser inagurada, o que aconteceu dias depois, abençoada pelas mãos de Frei Venâncio e com "comes e bebes" de acordo com o figurino.

Em 15 de agosto de 1948, o nome de Ernesto Zwarg Júnior já fazia parte do Jornal de Itanhaém, como responsável.

O "Ernestinho" encontrou na vocação de jornalista e de idealista, um campo enorme para sua imaginação.

Eu, não tão preparado como ele, mas com muita habilidade manual, assimilei a arte de Gutemberg e fiquei atuando na retaguarda, nas trincheiras das caixas de tipos, na alimentação manual do maquinário manhoso, tratando de ensinar as artes para meninos de Itanhaém, já que era quase impossível contratar bons gráficos. A tipografia era tocada com a energia de um gerador movido a óleo diesel, pois a cidade ainda não tinha luz elétrica.

III PARTE

Quando cheguei na Velha Conceição de Itanhaém, ela ainda tinha feições coloniais.

Casarões de taipa batida e neles chamavam a atenção os batentes, portas e janelas enormes, de clarabóia, muitos lavrados a machado e enxó.

Tão somente a rua Cunha Moreira, onde está até hoje o velho prédio da Prefeitura e que, naquele tempo abrigava, também a Delegacia de Polícia, é que tinha um calçamento de paralelepípedos.

A descida da Praça que começava na Barbearia dos Meira ou Bar do Torbuk, também tinha um arremedo de calçamento feito de pedras irregulares, mas o resto todo, com excessão de algumas ruas com um pouco de barro e cascalho, era um areião bravo, onde, de quando em quando, alguns automóveis vindos de fora, se prendiam na areia fofa e seca.

Que eu me lembre, naquela época só funcionavam o Atlântico Hotel do finado Manoel Jorge, em frente ao prédio da Prefeitura, o Pollastrini Hotel, em frente ao rio e, na rua Pedro de Toledo o Balneário Hotel do João Farah. Na Praia do Sonho havia um misto de Restaurante e Hotel, encravado entre o morro e o mar.

Algumas colônias de férias já estavam instaladas. A da JUC", dos Padres; a "Quininim" da extinta Guarda Civil e o Hotel do Suarão, a colônia da S.M.T.C estava começando a ser construída.

Padarias, ao que me lembre, existiam duas,: a da Praça, do Manoel Caniço e do Antonio Marques e a do Manoel Jorge, na esquina da Cunha Moreira com a descida da Praça.

As indústrias, se é que podiam assim serem chamadas , se resumiam em: Fábrica de Doces de Banana da Sra. Luiza Forssell, os estaleiros do Guaraú e do Baixio e a Colchoaria do Carvalinho. E os japoneses Toshimoto & Yamasaky que fabricavam artezanato de conchas muito procurados pelos veranistas e, a nossa gráfica!

O João e o Hanz, transformavam velhos motores de ramonas e fordecos e os instalavam em barcas e chatas, na oficina deles lá no Baixio. Nesse local funcionava a "dala", um sistema primitivo de esteiras tocado a motor, que auxiliava no transbordo de cachos de bananas da embarcações, chatas e barcas, para os vagões da Sorocabana, que então, tinha um desvio para esse fim e muita gente pobre vivia do que ganhava na "dala".

Cheguei a ver aviões pousando na avenida Condessa de Vimieiros, que, para quem não sabe, foi a Donatária da Capitania de Itanhaém.

A "ponte enferrujada" cantada em versos pelo mano Antonio Bruno, ainda cumpria a nobre missão de aguentar o peso das locomotivas e vagões e mais tarde, adapatada com pranchas, permitiria a passagem de caminhões e automóveis.

Antes, a travessia de veículos para o lado de lá do rio era feita numa balsa adaptada para aquele fim, desembarcando os veículos num empraiado do rio bem perto da ponte, onde tinham que vencer uma rampa para seguir viagem até a Praia do Sonho e dessa, até a praia de Peruíbe.

Itanhaém então se resumia num cinturão de casas perto da Praça da Matriz. Outras, perto das ruas da estação, algumas poucas na Avenida Condessa de Vimieiros, em frente à praia e ruas circunvizinhas. Na Vila Operária, loteamento da prefeitura, chalés de madeira. Casas de veraneio e irrizório comércio na "Prainha", também conhecida como "Praia do Meio" ou, da "Saudade" e casas esparsas, na praia do Sonho e em Suarão.

As primeiras construções em Cibratel, e no Bairro das Belas Artes, então conhecido como "Bairro do Poço", onde residiam muitos caiçaras, - davam sinal de progesso.

Em frente à Estação, o Castilho engarrafava pinga vinda do Rio das Pedras. Por falar em Estação, o Chefe da Estação, passoa bem considerada, dividia as honras da cidade, com o Coletor Estadual, o Agente de Correios, o Gerente da Caixa Econõmica, o Prefeito, o Delegado e o Escrivão de Polícia, os Hoteleiros, os Donos do Comércio em geral e os Bananicultores.

O carrros que vinham pela praia tinham muita dificuldade em sair dela e entrar em Itanhaém. Alguns arriscavam entrar em Suarão e vir pela Avenida do Telégrafo, mas o areião fofo estragava seus passeios. Aí então, foi feita uma entrada, num local chamado "Fazendinha" com bastante pedra e barro, mas mesmo assim, de vez em quando o mar destruía tudo e a Prefeitura tocava a reconstruir.

Voltando à boca da barra, naquele tempo saiam por ela, quase sempre na maré alta, chatas carregadas de banana, puxadas por rebocadores, para serem levadas por mar, para Santos, mas de quando em quando a maré forte não permitia a saída das chatas e, elas, ou sossobravam, ou viravam, ou encalhavam, espalhando centenas de cachos de bananas na praia.

Muita gente ia até a praia para tentar salvar os cachos que, se bem lavados em água potável (na época ainda existia), livres do sal, eram aproveitáveis.

Recordo também, que depois de chuvas torrenciais conjugadas por marés de lua, muito altas, a enorme quantidade de água represada nos mangues e nos inúmeros rios de Itanhaém, na primeira vazante, desceriam junto com inúmero entulho, folhas, galhos, árvores, milhões de carangueijos, desalojados do mangue na força das águas vindo dar à praia, onde tínhamos o prazer de os capturar, sem o dissabor de sujar os pés na lama dos mangues.

Lembro com muita clareza dum enorme tronco de uma árvore centenária que foi parar na "boca da barra", e, que por muito tempo ficou ali, ancorada, servindo de trampolim para jovens e adultos.

Naquela época o esgoto ainda não era jogado no rio, coisa hoje deprimente e, que obrigará para futuro próximo, gastos incalculáveis para sua solução. E nas tardes de verão a cidade toda ia à beira do rio para um banho refrescante nas águas meio salobras, mas livres de esgoto.

Na barra era comum ver poucos pescadores para muitos peixes, para ganhar um dinheirinho extra. Havia peixes, ao contrário de hoje, de muitos pescadores para peixe nenhum.

Lembro de ter visto até botos entrando pela barra, nadando no rio, sinônimo de água limpa, pois o boto, o nosso golfinho, foge das águas poluídas.

Existia a barca da Prefeitura remada pelo Setório e pelo Raul. Pagando poderíamos atravessar nas barcas do "Pernambuco", ou na do "Bigode", que exerciam tais "misteres". Eram, todos eles, figuras populares, cada qual, com seu jeito próprio.

Poucos chegaram a conhecer as "lanchas de carreira" que levavam e traziam os moradores dos bairros do "rio acima" - do Rio Preto e Rio Branco.

Os não muito jovens de hoje devem lembrar-se do Miguel, o Miguel louco. Quando cheguei a Itanhaém ele morava na casa de dona Zulmirinha Gatto, representante da Legião Brasileira de Assistência, que fazia o que podia em prol dos miseráveis.

Não sei de quem foi a idéia, mas um dia deram-lhe uma farda, cacetête, apito, chepe e botas de cano alto. E Mig-Miguel assumiu o papel de guarda de trânsito. E, na qualidade de "autoridade constituída", perturbou muita gente. Cheguei a ver turistas discutindo com ele, certos que estavam falando com um guarda metido à besta e só caíam em si quando alguém caçoava de Mig-Miguel. ele ficava completamente possesso, demonstrando ser um louco, porém louco manso.

Um dia Samuel Neves, comerciante local, resolveu trazer a civilização em forma de cinema. Construiu um salão, instalou as cadeiras e o maquinário. O salão era muito abafado e os filmes "queimavam" muito, mas para quem nunca viu, aquilo era o máximo. As sessões eram concorridas. A zoeira da molecadinha, ensurdeçedora. Mesmo nas matinés alguns adultos tinham cadeira cativa. Entre eles, um comerciante de peixe.

Inicialmente pensei que a cadeira cativa dele era em virtude de destacar-se no setor da pesca, mas descobri que era por ser a única, devido à defeito de fabricação, que permitia que seu enorme traseiro e idem barriga se encaixassem nela. E também por que logo logo a cadeira ficou impregnada de cheiro de sardinha.

Um outro ilustre cidadão também tinha cadeira cativa, mas não a que sentava e, sim, a que ficava a sua frente, pois homem às antigas, onde fosse, levava o guarda-chuva e, no meio dos filmes, especialmente nos de faroeste, na empolgação, não exitava em acertar a cabeça de quem estava a sua frente.

Mas o maior sucesso no cinema do Samuel foi numa noite em que ele resolveu passar um filme sueco. É que o mocinho, fisicamente se parecia com o então Prefeito Harry e também chamava-se Harry. Então quando o "xará" agarrava a mocinha a platéia caía na gozação. - Dá-lhe Harry...vá em frente! E Samuel repetiu o filme por muitos dias com a casa lotada.

Outro dia passei pela Praça Angelo Guerra. Eu sei que ele foi comerciante, kardecista e político respeitado. Chegou até à presidência da Câmara Municipal, mas o povo de hoje não sabe quem ele foi. Uma vez que os edis usam desse meio para homenagens póstumas, por que não fazê-las completas informando em que tal personagem ilustre destacou-se?

Verdade é que a bizarra Vila expandiu-se para todos os lados. Onde só existiam lenheiros, bananais, mata, hoje são bairros cheios de casas. O Ivoty, onde morei por um tempo, era um charco. Sinto que a maior parte da bizarria da época de antanho tenha sido destruída. Um casarão de taipa batida, recuperado, seria hoje atração turística, assim como os são em Cananéia, Iguape, Paraty...

Gostaria de ver restaurado o famoso "Gabinete de Leitura". Sei que existe uma corrente que afirma não ser tal prédio original ou histórico. Mas estava lá e foi o centro de cultura da Itanhaém de Calixto. Por que demoliram? Povo sem história é povo sem referência. Poderiam ter dado outra destinação de utilidade aos munícipes.

Tempo bom, sem televisão e de rádios ruins! Quem gostasse de música que aprendesse algum instrumento.

Na casa do Noêmio, que ganhou o cognome de "Marquês de Itanhaém", sempre havia um violão tocando, alguém cantando ou combinando uma serenata. Ele era de Santos, apegou-se a Itanhaém e resolveu nos deliciar com o som de seu violão.

Mas não veio sozinho, pois aos sábados, domingos e feriados a turma de Santos vinha para visitá-lo e nós é que saíamos ganhando, pois, eram tres ou quatro violões, flautas, bandolins, cavaquinhos e violinos, em tocatas para ninguém botar defeito.

Noêmio gostava de tocar, mas achava que a música era para ser ouvida. Se quando estivesse tocando alguém começasse a falar, ele parava de tocar, virava a boca do violão para baixo e ficava a encarar o falante, que logo se mancava e saía de fininho.

De certa feita, no Hotel Balneário, um engraçadinho quis enfrentá-lo. E, dos altos de seus 70 anos, entregou o violão para um amigo e com dois "rabos de arráia" colocou o engraçadinho no chão.

Estes dias deu vontade de passear pelo jundú para ver se encontrava algum pé de cambucá. Só encontrei nos terrenos vazios, restos de construção, garrafas de plástico e lixo de inconsequentes. Na areia fofa só vi um garoçá. Nenhuma batuíra corria na beira d'água. Nisso, senti um cheiro adocicado de erva queimando e saí de fininho. Era o "progresso" chegando.

Nos carnavais faziam-se espetaculares desfiles, com a turma toda vestida em papel crepon. E com todas as cervejas e batidas que tínhamos direito, saíamos da sede do E.C.São Paulo, antigo "Gabinete de Leitura", íamos pelas ruas em direção ao rio, com última parada no Balnaério Hotel, para a "saideira". Daí, chegando ao rio, o cordão todo dava as mãos e levava para dentro d'água turistas e locais distraídos. A brincadeira, às vezes, acabava em pequenos "quiprocós" e ameaças de briga, mas tudo acabava em muita risada, pois era carnaval e valia tudo.

Numa das inúmeras campanhas eleitorais que participei, de certa feita, um certo candidato a prefeito, vinha de trem, de um comício no bairro dos Prados. Ao passarmos por Camburiú, subiram no trem correligionários do outro candidato e imediatamente o "pau quebrou". O primeiro candidato não teve dúvidas em guardar a dentadura no bolso e defender sua candidatura a murros, aliás, com muito jeito para o esporte bretão. Quando a composição chegou em Itanhaém, com a turma brigando, foi um custo para acalmar os ânimos. Dada voz de prisão para os brigões e aos dois candidatos também, acharam-se presos, mas como não havia cadeia para tanta gente, o caso ficou nisso.

Quando a Cia. Telefônica instalou-se em Itanhaém, sentíamos que estávamos deixando de ser vila. Inicialmente o Posto de Seerviços, o "P.S.", foi instalado num anexo da padaria do Manuel Jorge. Foi feito um concurso com moças de Itanhaém, para o cargo de telefonista. Entraram Maria Merietto, com quem casei anos depois e Deolinda Assunção, de quem fui padrinho de casamento.

O Posto trabalhava com mensageiros, pois quando chegava um telefonema de outra cidade, as telefonistas mandavam chamar o cidadão.

Inicialmente a concessão do Posto telefônico estava com o Manuel Jorge que, desistindo, passou para meu pai, o Ernesto Zwarg, que instalou em nossa sala da frente. Meu pai e minha mãe, a Céa, substituíam as telefonistas à noite, ou nas folgas.. As telefonistas de Santos logo reconheciam papai, quando este atendia, pois além do sotaque, ao invés de falar "P.S.", dizia "peste".

E essa era a minha e de muitos outros deliciosa Itanhaém de meu tempo.


 
 
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