Parte I
Creio
que foi, em 1938 ou 1939, quando passávamos um fim de férias
em São Vicente... Um amigo de meu pai, cujo nome não
recordo... convidou-nos a conhecer Itanhaém.
Eu estaria com oito ou nove anos e lembro bem que atravessamos a
Ponte Pensil e fomos de automóvel pela praia, naquela época
completamente deserta. Mas "fixei" tão somente
o automóvel circulando, perto d'água transpondo os
riachos bem na beira das ondas. A praia imensa! E o Hotel, onde
almoçamos , um enorme casarão de madeira e, só
muitos anos após, soube que o neme era "Esplanada"
e que fora destruído num incêndio.
Tempos, depois, não me recordando se durante ou após
a II Guerra Mundial, fui novamente a Itanhaém, levado pelo
querido Tio Lara, com a tia Cecilia (irmã da minha mãe)
pelo primo "Guib", para veranearmos na casa de contra-parentes
do Tio Lara, de sobrenome Lobato, mas não os "Lobatos"
do "Belvedere", sito quase em frente à "Boca
da Barra", mas de sobrenome idêntico.
Recordo bem que descemos a serra do mar de trem pela antiga SPR,
a Estrada que os ingleses construiram, com uma "cambadinha"
de primos de muitas idades, completamente alvoroçados com
a viagem, uns empurrando os outros, querendo o melhor lugar na janela
do trem, provocando "chiliques" na Tia Cecilia, receiosa
de que algum de seus "pintinhos" (nós éramos
terríveis) caisse pela janela do vagão.
Pegamos
o trem na estação da Luz, na Capital e, a parada importante
foi em Paranapiacaba, no alto da serra, onde a composição
dividiu-se em duas partes e os passageiros da 1a. classe desceram
na frente e nós, a 2a. uns quinze minutos depois.
A
paisagem da descida, deslumbrante, num dia claro sem neblina, mas
nós a molecadinha, queríamos mesmo entender o que
era locobreque e como os trens subiam e desciam a serra, seguros
naqueles grossos cabos de aço, que rangiam e corriam ao lado
de linha paralela.
Fazíamos
uma algazarra danada quando a composição passava pelos
inúmeros túneis da velha subida e ficávamos
deslumbrados aos passarmos os viadutos, os abismos e quedas d'água.
Tio
Lara descrevia e explicava, com aquela paciência de inglês
e atropelávamos sua paciência com centenas de perguntas
e porquês. E nisso, chegamos a Cubatão, com a molecadinha
arreliando e rindo do nome "esdrúxulo", da Cubatão
que naquela época não passava de uma estação
de madeira (que bem como diria o caro tio Lara: construída
em pinho de riga na velha Albion e, tão somente montada no
Brasil), rodeada então de bananais a perder de vista. A cidade
propriamente dita, de uma rua só! - Por onde passavam uns
poucos automóveis, caminhões e ônibus que haviam
descido ou que iriam subir o velho caminho do mar, de Washington
Luiz.
A composição continuou a viagem entre bananais e mangues
e entramos na terra de "Enguaguassú" dos selvícolas,
a cidade de Brás Cubas, a libertária Santos dos irmãos
Andrada, hoje mais conhecida como terra do "Ministro Pelé"
do Santos F.C.
A velha estaão da S.P.R., com pequenas modificações,
ainda é a mesma, (mas o Bonde da Cia. City, que esperava
os passageiros vindos pelo trem, não existe mais) e lá
se foi o bonde se arrastando, pelas acanhadas ruas da cidade-porto,
até a magnifíca Avenida Ana Costa onde descemos, em
frente à estação Sorocabana "velha de
guerra".
Como o trem só sairia no dia seguinte, hospedamo-nos numa
pensãozinha quase ao lado do Educandário Anália
Franco, onde passamos a noite.
Tive
muito orgulho, anos depois, em ler na placa da fundação
desse Educandário, o nome de nosso tio avô Dr. Ibraim
Nobre, Tribuno da Revolução Constitucionalista de
1932, um de seus fundadores, mas isso é outra estória
e ele, aqui entrou, em homenagem a sua sobrinha Cymodocéa Galhardo
Rocha e Nobre que se transformou anos depois, na tia Céia
de Itanhaém, de tantos sobrinhos, minha querida mãe.
E
no dia seguinte, mal a estação abriu, já que
a pontualidade inglesa do tio Lara era correta, lá estávamos
esperando a bilheteria abrir para embarcarmos na velha "Maria
Fumaça" que queimava lenha de verdade, soltava fagulhas
em profusão e, de tanto em tanto, parava para beber água.
No
horário marcado, lá se foi ela e os vagões
se achocoalhando na bitola estreita da linha rumo a São Vicente
que disputa com Cananéia, ser a "célular mater
da nacionalidade" e assim passamos raspando a praia do Itareré
e o morro do Voturuá, hoje conhecido como aeroporto de "Asas
Delta".
Da
estação de São vicente, a primeira das inúmeras
parada, a máquina saiu célere, apitando a bom som,
resfolegando e espirrando fumaça, para minutos depois atravessar
bem devagarinho a ponte dos Barreiros que segundo diziam, tremia
toda, nas passagens das composições, devido à
fragilidade das ferragens corroídas pelo salitre e a instabilidade
do solo. Vencida a ponte, passou a composição por
enorme mangue ainda existente e parou em Samaritá...
Continuando
a viagem, umas três horas depois desembarcamos não
na velha Conceição de Itanhaém, mas sim, logo
depois da ponte, graças a uma "gorja" como se dizia
então, dada ao Chefe do Trem, descemos e, do outro lado do
rio, depois da "Ponte Enferrujada" (que inspirou meu mano
Antonio Bruno numa canção, Ponte Enferrujada - gravada
por Silvio Caldas), para seguirmos a casa que nos ia receber.
A
casa, sita atualmente na Avenida Pres. Kennedy - que aquela época
não passava de uma rua de areião, num túnel
vegetal, perfilava com uma dúzia ou mais de casas de veraneio,
desembocando esse túnel na Praia dos Sonhos, onde também
já existiam mais de uma dezena de casas de veraneio frente
ao mar, encravadas no "jundú". A casa onde passei
a primeira temporada de estio, ainda está lá, como
que inatacada pelo tempo e salitre, marco duma época.
Destarte,
a primeira Itanhaém que conheci, era iluminada por "Lampiões
de Querosene" (que eu e o Bruno homenageamos numa canção
e eram uns poucos "petromax", aqueles de "camisinha").
Uma Itanhaém de banhos de mar, correr atrás da bola
e dormir de cansado, sem ao menos sentir os pernilongos e murissocas
ou "micuíns".
Naturalmente,
aquela maravilha era meu "chodó" e como o tio Lara
acabou construindo também sua casa, passamos a ser seus hospédes
permanentes das temporadas de veraneio, de cantorias e passatempos
de baralho.
E
não é que papai, que trabalhava há anos na
Diretoria da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira em São
Paulo, resolveu abandonar seus encargos e aposentar-se, para gozar
definitivas e merecidas férias na Colônia de Férias
da Companhia Seguradora Brasileira, sita em itanhaém à
Rua Cunha Moreira e, encantando-se com o bucolismo da cidade praieira,
para surpresa nossa, adquiriu uma casa na Rua João Mariano,
onde hoje está instalada uma Ótica e o Supermercado
Saito.
Deixamos
definitivamente a velha São Paulo da Garôa e a Rua
Frei Caneca da minha infância e nos instalamos no "Burgo
de Anchieta" onde o meu pai passou a ser conhecido como Seu
"Arnesto", ante o samba de Adoniram Barbosa...
De
mala e cuia, uma parte das coisas vindas pela "velha"
Sorocabana, viemos eu, o Ernestinho, como então chamavámos
o "Júnior, o "Arnesto" pai, Ismael e a Tia
Céia, para fazer parte da velha Conceição de
Itanhaém. II
Parte
Mas
demorou um pouco para deixarmos de ser turistas e passarmos a ser
realmente itanhaenses, ou imaginar que fossêmos.
Mamãe,
nascida em Capivari, criada em fazendas e cidadezinha do interior,
acostumada por isso à vida calma das velhinhas interioranas,
foi a primeira entre nos a se naturalizar itanhaense.
Papai,
que carregava nos "erres" de seu sotaque de filho de alemães,
com a mansidão de seus olhos azuis, sorriso fácil
e de papo fácil, transformou-se repentinamente em itanhaense,
com sua simpatia e versatilidade de homem do comércio, acostumado
a usar picardia para sobreviver na cidade grande, na selva de paralelepípedos
da Piratininga de antanho.
Ismael,
ainda menino, matriculado no Grupo Escolar e fazendo a Primeira
Comunhão, virou itanhaense nato.
Eu
e o Ernesto, demoramos um tempo maior para nos adaptarmos à
vida pacata. Inicialmente, estávamos mais entrosados com
os turistas de temporada e de fim de semana, em serenatas, namoricos
e banhos e mais banhos de mar e de rio e, especialmente, em escalar
os costões, "pegar ondas", que àquele tempo
chamávamos de "pegar jacaré". Erámos
mais vistos como "filhos de papai", boas vidas em férias
permanentes.
Mas
meu pai, apesar de ter tentado transformar-se em autêntico
caiçara, não o conseguiu. Nunca foi pescar e em todo
tempo que morou em Itanhaém, foi tomar banho de mar, no máximo
quatro vezes.
Era
incapaz de andar de tamancos, - calçado oficial da cidade,
fabricados na "Tamancaria Cacique" - e continuava a calçar
sapatos e as indispensáveis meias, como sempre fizera em
sua São Paulo.
Para
preencher as incontáveis horas disponíveis, inicialmente
montou uma lojinha de material de construção.
Nisso
apareceu em Itanhaém um cidadão que lançou
um jornal na praça - o "Jornal de Itanhaém"
- impresso na capital do Estado, cujo primeiro número datava
de 21 de março de 1948.
Como,
eu não sei, mas o cidadão acabou convencendo meu pai,
que também não era do ramo, a adquirir uma tipografia
e a instalar em Itanhaém, que não tinha uma gráfica
desde o tempo de Antonio Mendes. Para a instalaçao teve que
construir um salão para a oficina . Quem trouxe o maquinário
da capital para Itanhaém foi o amigo Paniquar, co-proprietário
da Padaria do Manoel Jorge, seu sogro e que tinha um caminhão
em condições de efetuar o transporte. Para buscar
o maquinário - fui junto com eles - depois de vencer a serra,
descendo-a com muito cuidado, atravessar Santos, São Vicente
e pela Ponte Pensil... vínhamos tranquilos, mas, ao passar por um
dos riachos, antes de Mongaguá, o caminhão, ao pasar
bem à beira d'água, com a carga pesada, meio traseira,
deslocou o eixo de equilíbrio e, quando as rodas traseiras
chegaram no rio, a frente do veículo elevou-se e, se não
fosse a inteligência e a malandrice do Paniquar, que determinou
que saíssemos da cabine e subíssemos no parachoque
dianteiro, trazendo, assim, as rodas dianteiras para o chão,
fatalmente a tipografia que tinha o pomposo nome de "São
Benedito", ficaria irremediavelmente destruída antes
de ser inagurada, o que aconteceu dias depois, abençoada
pelas mãos de Frei Venâncio e com "comes e bebes"
de acordo com o figurino.
Em
15 de agosto de 1948, o nome de Ernesto Zwarg Júnior já
fazia parte do Jornal de Itanhaém, como responsável.
O
"Ernestinho" encontrou na vocação de jornalista
e de idealista, um campo enorme para sua imaginação.
Eu,
não tão preparado como ele, mas com muita habilidade
manual, assimilei a arte de Gutemberg e fiquei atuando na retaguarda,
nas trincheiras das caixas de tipos, na alimentação
manual do maquinário manhoso, tratando de ensinar as artes
para meninos de Itanhaém, já que era quase impossível
contratar bons gráficos. A tipografia era tocada com a energia
de um gerador movido a óleo diesel, pois a cidade ainda não
tinha luz elétrica.
III
PARTE
Quando
cheguei na Velha Conceição de Itanhaém, ela
ainda tinha feições coloniais.
Casarões
de taipa batida e neles chamavam a atenção os batentes,
portas e janelas enormes, de clarabóia, muitos lavrados a
machado e enxó.
Tão
somente a rua Cunha Moreira, onde está até hoje o
velho prédio da Prefeitura e que, naquele tempo abrigava,
também a Delegacia de Polícia, é que tinha
um calçamento de paralelepípedos.
A
descida da Praça que começava na Barbearia dos Meira
ou Bar do Torbuk, também tinha um arremedo de calçamento
feito de pedras irregulares, mas o resto todo, com excessão
de algumas ruas com um pouco de barro e cascalho, era um areião
bravo, onde, de quando em quando, alguns automóveis vindos
de fora, se prendiam na areia fofa e seca.
Que
eu me lembre, naquela época só funcionavam o Atlântico
Hotel do finado Manoel Jorge, em frente ao prédio da Prefeitura,
o Pollastrini Hotel, em frente ao rio e, na rua Pedro de Toledo
o Balneário Hotel do João Farah. Na Praia do Sonho
havia um misto de Restaurante e Hotel, encravado entre o morro e
o mar.
Algumas
colônias de férias já estavam instaladas. A
da JUC", dos Padres; a "Quininim" da extinta Guarda
Civil e o Hotel do Suarão, a colônia da S.M.T.C estava
começando a ser construída.
Padarias,
ao que me lembre, existiam duas,: a da Praça, do Manoel Caniço
e do Antonio Marques e a do Manoel Jorge, na esquina da Cunha Moreira
com a descida da Praça.
As
indústrias, se é que podiam assim serem chamadas ,
se resumiam em: Fábrica de Doces de Banana da Sra. Luiza
Forssell, os estaleiros do Guaraú e do Baixio e a Colchoaria
do Carvalinho. E os japoneses Toshimoto & Yamasaky que fabricavam
artezanato de conchas muito procurados pelos veranistas e, a nossa
gráfica!
O
João e o Hanz, transformavam velhos motores de ramonas e
fordecos e os instalavam em barcas e chatas, na oficina deles lá
no Baixio. Nesse local funcionava a "dala", um sistema
primitivo de esteiras tocado a motor, que auxiliava no transbordo
de cachos de bananas da embarcações, chatas e barcas,
para os vagões da Sorocabana, que então, tinha um
desvio para esse fim e muita gente pobre vivia do que ganhava na
"dala".
Cheguei
a ver aviões pousando na avenida Condessa de Vimieiros, que,
para quem não sabe, foi a Donatária da Capitania de
Itanhaém.
A
"ponte enferrujada" cantada em versos pelo mano Antonio
Bruno, ainda cumpria a nobre missão de aguentar o peso das
locomotivas e vagões e mais tarde, adapatada com pranchas,
permitiria a passagem de caminhões e automóveis.
Antes,
a travessia de veículos para o lado de lá do rio era
feita numa balsa adaptada para aquele fim, desembarcando os veículos
num empraiado do rio bem perto da ponte, onde tinham que vencer
uma rampa para seguir viagem até a Praia do Sonho e dessa,
até a praia de Peruíbe.
Itanhaém
então se resumia num cinturão de casas perto da Praça
da Matriz. Outras, perto das ruas da estação, algumas
poucas na Avenida Condessa de Vimieiros, em frente à praia
e ruas circunvizinhas. Na Vila Operária, loteamento da prefeitura,
chalés de madeira. Casas de veraneio e irrizório comércio
na "Prainha", também conhecida como "Praia
do Meio" ou, da "Saudade" e casas esparsas, na praia
do Sonho e em Suarão.
As
primeiras construções em Cibratel, e no Bairro das
Belas Artes, então conhecido como "Bairro do Poço",
onde residiam muitos caiçaras, - davam sinal de progesso.
Em
frente à Estação, o Castilho engarrafava pinga
vinda do Rio das Pedras. Por falar em Estação, o Chefe
da Estação, passoa bem considerada, dividia as honras
da cidade, com o Coletor Estadual, o Agente de Correios, o Gerente
da Caixa Econõmica, o Prefeito, o Delegado e o Escrivão
de Polícia, os Hoteleiros, os Donos do Comércio em
geral e os Bananicultores.
O
carrros que vinham pela praia tinham muita dificuldade em sair dela
e entrar em Itanhaém. Alguns arriscavam entrar em Suarão
e vir pela Avenida do Telégrafo, mas o areião fofo
estragava seus passeios. Aí então, foi feita uma entrada,
num local chamado "Fazendinha" com bastante pedra e barro,
mas mesmo assim, de vez em quando o mar destruía tudo e a
Prefeitura tocava a reconstruir.
Voltando
à boca da barra, naquele tempo saiam por ela, quase sempre
na maré alta, chatas carregadas de banana, puxadas por rebocadores,
para serem levadas por mar, para Santos, mas de quando em quando
a maré forte não permitia a saída das chatas
e, elas, ou sossobravam, ou viravam, ou encalhavam, espalhando centenas
de cachos de bananas na praia.
Muita
gente ia até a praia para tentar salvar os cachos que, se
bem lavados em água potável (na época ainda
existia), livres do sal, eram aproveitáveis.
Recordo
também, que depois de chuvas torrenciais conjugadas por marés
de lua, muito altas, a enorme quantidade de água represada
nos mangues e nos inúmeros rios de Itanhaém, na primeira
vazante, desceriam junto com inúmero entulho, folhas, galhos,
árvores, milhões de carangueijos, desalojados do mangue
na força das águas vindo dar à praia, onde
tínhamos o prazer de os capturar, sem o dissabor de sujar
os pés na lama dos mangues.
Lembro
com muita clareza dum enorme tronco de uma árvore centenária
que foi parar na "boca da barra", e, que por muito tempo
ficou ali, ancorada, servindo de trampolim para jovens e adultos.
Naquela
época o esgoto ainda não era jogado no rio, coisa
hoje deprimente e, que obrigará para futuro próximo,
gastos incalculáveis para sua solução. E nas
tardes de verão a cidade toda ia à beira do rio para
um banho refrescante nas águas meio salobras, mas livres
de esgoto.
Na
barra era comum ver poucos pescadores para muitos peixes, para ganhar
um dinheirinho extra. Havia peixes, ao contrário de hoje,
de muitos pescadores para peixe nenhum.
Lembro
de ter visto até botos entrando pela barra, nadando no rio,
sinônimo de água limpa, pois o boto, o nosso golfinho,
foge das águas poluídas.
Existia
a barca da Prefeitura remada pelo Setório e pelo Raul. Pagando
poderíamos atravessar nas barcas do "Pernambuco",
ou na do "Bigode", que exerciam tais "misteres".
Eram, todos eles, figuras populares, cada qual, com seu jeito próprio.
Poucos
chegaram a conhecer as "lanchas de carreira" que levavam
e traziam os moradores dos bairros do "rio acima" - do
Rio Preto e Rio Branco.
Os
não muito jovens de hoje devem lembrar-se do Miguel, o Miguel
louco. Quando cheguei a Itanhaém ele morava na casa de dona
Zulmirinha Gatto, representante da Legião Brasileira de Assistência,
que fazia o que podia em prol dos miseráveis.
Não
sei de quem foi a idéia, mas um dia deram-lhe uma farda,
cacetête, apito, chepe e botas de cano alto. E Mig-Miguel
assumiu o papel de guarda de trânsito. E, na qualidade de
"autoridade constituída", perturbou muita gente.
Cheguei a ver turistas discutindo com ele, certos que estavam falando
com um guarda metido à besta e só caíam em
si quando alguém caçoava de Mig-Miguel. ele ficava
completamente possesso, demonstrando ser um louco, porém
louco manso.
Um
dia Samuel Neves, comerciante local, resolveu trazer a civilização
em forma de cinema. Construiu um salão, instalou as cadeiras
e o maquinário. O salão era muito abafado e os filmes
"queimavam" muito, mas para quem nunca viu, aquilo era
o máximo. As sessões eram concorridas. A zoeira da
molecadinha, ensurdeçedora. Mesmo nas matinés alguns
adultos tinham cadeira cativa. Entre eles, um comerciante de peixe.
Inicialmente
pensei que a cadeira cativa dele era em virtude de destacar-se no
setor da pesca, mas descobri que era por ser a única, devido
à defeito de fabricação, que permitia que seu
enorme traseiro e idem barriga se encaixassem nela. E também
por que logo logo a cadeira ficou impregnada de cheiro de sardinha.
Um
outro ilustre cidadão também tinha cadeira cativa,
mas não a que sentava e, sim, a que ficava a sua frente,
pois homem às antigas, onde fosse, levava o guarda-chuva
e, no meio dos filmes, especialmente nos de faroeste, na empolgação,
não exitava em acertar a cabeça de quem estava a sua
frente.
Mas
o maior sucesso no cinema do Samuel foi numa noite em que ele resolveu
passar um filme sueco. É que o mocinho, fisicamente se parecia
com o então Prefeito Harry e também chamava-se Harry.
Então quando o "xará" agarrava a mocinha
a platéia caía na gozação. - Dá-lhe
Harry...vá em frente! E Samuel repetiu o filme por muitos
dias com a casa lotada.
Outro
dia passei pela Praça Angelo Guerra. Eu sei que ele foi comerciante,
kardecista e político respeitado. Chegou até à
presidência da Câmara Municipal, mas o povo de hoje
não sabe quem ele foi. Uma vez que os edis usam desse meio
para homenagens póstumas, por que não fazê-las
completas informando em que tal personagem ilustre destacou-se?
Verdade
é que a bizarra Vila expandiu-se para todos os lados. Onde
só existiam lenheiros, bananais, mata, hoje são bairros
cheios de casas. O Ivoty, onde morei por um tempo, era um charco.
Sinto que a maior parte da bizarria da época de antanho tenha
sido destruída. Um casarão de taipa batida, recuperado,
seria hoje atração turística, assim como os
são em Cananéia, Iguape, Paraty...
Gostaria
de ver restaurado o famoso "Gabinete de Leitura". Sei
que existe uma corrente que afirma não ser tal prédio
original ou histórico. Mas estava lá e foi o centro
de cultura da Itanhaém de Calixto. Por que demoliram? Povo
sem história é povo sem referência. Poderiam
ter dado outra destinação de utilidade aos munícipes.
Tempo
bom, sem televisão e de rádios ruins! Quem gostasse
de música que aprendesse algum instrumento.
Na
casa do Noêmio, que ganhou o cognome de "Marquês
de Itanhaém", sempre havia um violão tocando,
alguém cantando ou combinando uma serenata. Ele era de Santos,
apegou-se a Itanhaém e resolveu nos deliciar com o som de
seu violão.
Mas
não veio sozinho, pois aos sábados, domingos e feriados
a turma de Santos vinha para visitá-lo e nós é
que saíamos ganhando, pois, eram tres ou quatro violões,
flautas, bandolins, cavaquinhos e violinos, em tocatas para ninguém
botar defeito.
Noêmio
gostava de tocar, mas achava que a música era para ser ouvida.
Se quando estivesse tocando alguém começasse a falar,
ele parava de tocar, virava a boca do violão para baixo e
ficava a encarar o falante, que logo se mancava e saía de
fininho.
De
certa feita, no Hotel Balneário, um engraçadinho quis
enfrentá-lo. E, dos altos de seus 70 anos, entregou o violão
para um amigo e com dois "rabos de arráia" colocou
o engraçadinho no chão.
Estes
dias deu vontade de passear pelo jundú para ver se encontrava
algum pé de cambucá. Só encontrei nos terrenos
vazios, restos de construção, garrafas de plástico
e lixo de inconsequentes. Na areia fofa só vi um garoçá.
Nenhuma batuíra corria na beira d'água. Nisso, senti
um cheiro adocicado de erva queimando e saí de fininho. Era
o "progresso" chegando.
Nos
carnavais faziam-se espetaculares desfiles, com a turma toda vestida
em papel crepon. E com todas as cervejas e batidas que tínhamos
direito, saíamos da sede do E.C.São Paulo, antigo
"Gabinete de Leitura", íamos pelas ruas em direção
ao rio, com última parada no Balnaério Hotel, para
a "saideira". Daí, chegando ao rio, o cordão
todo dava as mãos e levava para dentro d'água turistas
e locais distraídos. A brincadeira, às vezes, acabava
em pequenos "quiprocós" e ameaças de briga,
mas tudo acabava em muita risada, pois era carnaval e valia tudo.
Numa
das inúmeras campanhas eleitorais que participei, de certa
feita, um certo candidato a prefeito, vinha de trem, de um comício
no bairro dos Prados. Ao passarmos por Camburiú, subiram
no trem correligionários do outro candidato e imediatamente
o "pau quebrou". O primeiro candidato não teve
dúvidas em guardar a dentadura no bolso e defender sua candidatura
a murros, aliás, com muito jeito para o esporte bretão.
Quando a composição chegou em Itanhaém, com
a turma brigando, foi um custo para acalmar os ânimos. Dada
voz de prisão para os brigões e aos dois candidatos
também, acharam-se presos, mas como não havia cadeia
para tanta gente, o caso ficou nisso.
Quando
a Cia. Telefônica instalou-se em Itanhaém, sentíamos
que estávamos deixando de ser vila. Inicialmente o Posto
de Seerviços, o "P.S.", foi instalado num anexo
da padaria do Manuel Jorge. Foi feito um concurso com moças
de Itanhaém, para o cargo de telefonista. Entraram Maria
Merietto, com quem casei anos depois e Deolinda Assunção,
de quem fui padrinho de casamento.
O
Posto trabalhava com mensageiros, pois quando chegava um telefonema
de outra cidade, as telefonistas mandavam chamar o cidadão.
Inicialmente
a concessão do Posto telefônico estava com o Manuel
Jorge que, desistindo, passou para meu pai, o Ernesto Zwarg, que
instalou em nossa sala da frente. Meu pai e minha mãe, a
Céa, substituíam as telefonistas à noite, ou
nas folgas.. As telefonistas de Santos logo reconheciam papai, quando
este atendia, pois além do sotaque, ao invés de falar
"P.S.", dizia "peste".
E
essa era a minha e de muitos outros deliciosa Itanhaém de
meu tempo.
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