Uma Estação em Itanhaem


Silen Person

 

Visitei primeiro a igreja de S.Anna, pequeno templo circundado por um verde gramado na Praça Doutor Carlos Botelho.

Toda construída de alvenaria rusticamente trabalhada pelo homem e polida pelo tempo essa igreja é um legado do ano de 1761.

Não ha quem se não sinta em conforto espiritual de ante da pobreza deste templo de fé. Na acanhada nave apenas tres altares com imagens de grande beleza, dão suave consolação aos fieis que genuflexos fazem suas preces com iluminada confiança: S.ANNA SUCCURRE MISERIS.

Terminando minha visita com três preces, ao sair tive a atenção voltada para outra construção de era não muito menos remota. É a Cadeia Pública. Poucas palavras são as que posso dizer sobre o velho presídio. Preferi limitar-me a contemplar pelas abertas exovias a escuridão e a friesa das celulas dotadas de mínima arefação e acanhado desconforto. Foram sem dúvida, tristemente passadas as horas dos que aqui curtiram penas.

Sendo condição primeira para os bons fóros da cidade, não haver prevaricadores da Lei, (confirmadíssima é a sua fama) raramente, a polícia entra em função, contra os rebeldes aos bons costumes dos que aqui vem para descanso e prazer.

Infelizmente, triste exemplo do descaso administrativo, este casarão ameaça ruir-se pelo favor do tempo, cançado da espera de uma restauração ou demolição total.

Entre os dois prédios se interpõe a estatua de ANCHIETA. Não será sem respeito que as gerações verão nesse bronze o Santo Apostolo do Brasil.

A mais renhida peleja vem sofrendo o velho chafariz da matriz. Este foi largamente usufruido, restando hoje apenas ferros torcidos e oxidados.

Na gare da E.F.S. esperando transito, vagões e vagões com carregamento de banana, mostram ao observador uma parcela do que é a produção dos trinta e seis milhões que a tanto somam, os bananais do município.

Presas pelas amarras, pequenas embarcações de nomes sugestivos estão a espera para transportar em seu concavo, através das, ora mansas, ora revoltas aguas do Rio Itanhaem, os candidatos aos banhos nas praias mais lindas deste pedaço do Atlantico. "Prainha", "Do Meio", "Das Conchas", formantes da "Praia do Sonho". A seguir está a Praia de Peruíbe com 28 quilometros de extensão. As três primeiras, mais proximas teem maior movimento de banhistas.

A canôa do Sertorio, chamada "Brasileira", a "São Paulo Terra Adorada" , do Pernambuco; a "Zelia", do Zezinho e que tantas preferidas por uns e por outros se preleiam nas justas da travessia.

Entre todas, uma ha que leva vantagem na procura: é a barca do D.E.R. Por ser de transporte gratuito está em parte explicada a preferência dos que se alinham a sua espera à margem do rio. Tem ela, entretanto, outra razão da escolha. É remada pelo conhecidissimo Raul, o inesgotável contador de historias. Os minutos correm com a atenção voltada para as deliciosas aventuras do Raul, nas pescarias, nas caçadas e em que tais oriundas de sua convivência com os índios, sob trabalho na missão de Rondon. Esse caiçara é incansavel na parolagem e senhor de uma calma invejavel para respostar a qualquer aparte.

A preferencia dada a essa barca levou o Raul a congnomina-la a seu bel prazer de KIRIDINHA...

Houve como era natural, muita critica pelo K inicial... Raul deu a sua resposta trocando aquele inocente K por um Q, como fazem os reformadores da lingua. Hoje a barca traz o nome QIRIDINHA...Naturalmente o Raul nao quis colocar o "U" porque no seu tempo de moço essa vogal era sinalada com um "V"...

Falando e cantando em guarani o Raul é uma "bola"... Perguntado uma vez, o que queria nessa lingua a expressão "merci beaucoup"... rapidamente respondeu: "mer" viajar, "ci" perto, e completando a frase: "vou ali e já volto...

De suas historias correm mundo pelos que aqui estiveram, "Urso Branco", a da onça de catorze palmos quando ainda filhote...a da ossada da sucuri que cria carne novamente...e a das "iscas" para o Padre Anchieta...essa é a maior delas: o Raul acompanhava o Santo Padre nas praias vicentinas. Como duvidar dele se afirma estar residindo aqui pela terceira vez, a cincoenta e tantos anos, tendo morado longos anos em Ourinhos, Xavantes, Itaipuz, com o interregno de dezoito anos na missão Rondon...Deixo a curiosidade do leitor a pesquisa do seu batistério...

Alma ingenua e boa, bem merece a simpatia que lhe tributam os que por aqui ouvem as suas inocentes e interessantes histórias.

 

Fonte: Jornal de Itanhaém de 07/11/48

 


 
 
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