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ARTIGOS AMBIENTAIS


"O Ministério Público e a defesa do meio ambiente"


Pablo José Perez Greco

 

O Brasil, tendo em vista que porção considerável de sua sociedade ainda não dispõe de condições para defesa individual dos direitos assegurados pela Constituição - dentre os quais os relativos à preservação ambiental - atribui o encargo da tutela destes direitos, perante a Justiça, ao Ministério Público, instituição independente dos três outros poderes, que age em nome do povo e no interesse público.

Assim, o Ministério Público, nos termos da definição contida no Artigo 127 da nova Constituição da República, promulgada em 05 de outubro de 1988, é considerado "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Essa definição, que o delineia nitidamente como instituição voltada à representação judicial dos interesses sociais, veio consagrar uma vocação que levara o Legislador, já em 1981, a inserir dentre as suas atribuições na esfera civil a defesa do meio ambiente.

Com efeito, a Lei nº 6.938/81 muda o quadro da política do meio ambiente ao instituir duas grandes inovações: a responsabilidade do poluidor independente da existência de culpa e a atribuição ao Ministério Público da faculdade de propor ações judiciais de natureza civil, objetivando reparar ou evitar danos ambientais.

Em 1985, pela Lei nº 7.347/85 efetiva-se a possibilidade de intervenção ambiental do Ministério Público Federal ou Estadual, com a disciplina processual da ação civil pública e do inquérito civil. Este surge como procedimento administrativo exclusivo do promotor de Justiça, que o instaura e preside, com a finalidade de apurar a ocorrência de danos ambientais.

Além disso, pode também o promotor de Justiça celebrar acordos extrajudiciais em matéria ambiental, com força de título executivo, de molde a desafogar o já saturado aparelho judiciário de uma pletora de processos.

Trata-se, mais do que tudo, de uma notável transformação, que coloca o Brasil como um dos países pioneiros no mundo de uma nova função do Ministério Público, fazendo com que este se firmasse como a instuição melhor credenciada para a tutela dos interesses sociais, difusos e coletivos, na ordem civil. Isto sem prejuízo de sua tradicional atuação na área criminal, inclusive na repressão aos chamados crimes ecológicos.

Embora a atuação do Ministério Público na proteção ambiental seja recente, muito já se fez e a instituição brasileira tem recebido aplausos até mesmo a nível internacional. Em recente artigo sobre Direito Ambiental, o grande ambientalista e brasilianista norte-americano Roger W. Findley destacou que está claro que o Ministério Público - um grupo de advogados de carreira, relativamente bem dotado de recursos e apolítico, com poderes de investigações substanciais e um forte compromisso com o interesse público - pode aumentar substancialmente o peso na luta contra a poluição.

A existência secular no direito pátrio de normas de proteção ambiental não se constituiu historicamente em óbice à escala de degradação do nosso patrimônio natural. O desrespeito a essa legislação era compreensível em razão de dois fatores básicos: a ausência de uma consciência social sobre o problema ecológico e a falta de imperatividade do comando legal, decorrente sobretudo da conhecida ineficácia dos aparelhos de fiscalização do Estado.

A partir da mobilização social que se assistiu no Brasil na década de 80, principalmente com o surgimento do movimento ambientalista, criou-se o primeiro fator favorável à transposição daquela realidade. A incapacidade do Estado, em face dessa mudança, de responder com uma mobilização de recursos humanos e materiais para melhor estruturação dos órgãos fiscalizatórios, e as mencionadas inovações legislativas, transferiram para a esfera judicial a parte mais relevante da tarefa de firmar na consciência da sociedade o poder coercitivo das normas ambientais. E foi nesse processo que o Ministério Público passou a desempenhar um papel decisivo.

Foram assim criados, no âmbito do Ministério Público, órgãos de proteção ao meio ambiente com o propósito fundamental de formar promotores de Justiça que, especializando-se no estudo dos aspectos jurídicos dos problemas ambientais, vêm adotando a iniciativa de promover procedimentos administrativos, ações cautelares visando prevenir e ações civis públicas objetivando reparar danos ao meio ambiente.

O sucesso das primerias medidas judiciais e a divulgação que alcançou nos meios de comunicação geraram intensa demanda popular pelos serviços do Ministério Público. Firmou-se então perante a sociedade a imagem do promotor de Justiça Curador do Meio Ambiente como instância eficaz para o atendimento de queixas e reclamações relativas a danos ambientais.

Para que se possa ter uma idéia do volume de trabalho do Ministério Público, na área ambiental, somente no Estado de São Paulo, reporto-me aos números cedidos pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Ambientais: Procedimentos Administrativos em andamento: 3.374. Inquéritos Civis: 1.381. Ações civis públicas em andamento: 1.151. Números existentes até o mês de março/94.

O incremento numérico foi acompanhado de uma diversificação qualitativa. As ações civis públicas ambientais propostas pelo Ministério Público objetivam desde a proteção de uma única árvore até a salvação de todo um ecossistema ameaçado; desde a poluição gerada por uma pequena indústria até a que afeta uma cidade inteira; desde a contaminação de um pequeno curso de água por esgotos até a reparação dos danos causados por gigantescos derrames de petróleo no mar.

É de se observar também que, na maior parte dos casos, o Ministério Público defronta-se, no pólo passivo da ação, com o poderio econômico representado pelo grande capital, tanto nativo quanto multinacional, quando não contra o próprio Estado.

Esta é a razão de peso pela qual a sociedade civil colocou em mãos do Ministério Público a titularidade ativa da ação civil pública ambiental. O promotor de Justiça é dotado de independência funcional para propor ações para as quais o cidadão comum sentir-se-ia incapacitado, quer pelos elevados custos, quer pelo poderio do adversário, quer pela complexidade técnica.

Na mesma linha de representação do interesse social, o Ministério Público muitas vezes se opõe aos desígnios da administração, uma vez que o Estado, atuando, quer como agente econômico, quer como executor de obras públicas, por diversas vezes torna-se agressor do meio ambiente. Mas não é só como agente poluidor que o Poder Público tem sido responsabilizado pelo Ministério Público. Em ações judiciais inéditas tem sido chamado a prestar contas por sua omissão no dever constitucional de proteger e recuperar o meio ambiente.

Como exemplo dessas medidas podem ser citadas, no primeiro caso, ações intentadas contra o Poder Público em razão da construção de estradas, usinas hidrelétricas e outras obras, sem a realização de estudo de impacto ambiental. No segundo, inúmeras ações contra municipalidades para compelí-las a instalar sistemas de disposição de lixo e tratamento de esgotos.

Em muitos casos, mesmo quando se trata de acidentes ecológicos de extrema gravidade, como o ocorrido em setembro de 1987 na cidade de Goiânia, com a disseminação no ambiente de 21 gramas de Césio 137, só a atuação do Ministério Público se mostra eficaz para compelir o Poder Público a adoção de soluções de caráter definitivo.

Para essa atuação independente, é de importância capital a existência de garantias constitucionais que conferem autonomia funcional ao Ministério Público e tornam o promotor de Justiça imune a pressões políticas e econômicas. Tal circustância confere ao Ministèrio Público de nosso país um perfil de vanguarda em relação às instituições congêneres no mundo.

Por tudo isso, firmou-se na opinião pública a imagem do promotor de Justiça Curador do Meio Ambiente como interlocutor válido e agente eficaz na defesa do meio ambiente, desfazendo-se ao mesmo tempo a antiga idéia de impunidade para o que degrada o patrimônio natural. Assiste-se assim à recuperação pelo direito ambiental de sua própria imperatividade.

Ao lado do Ministério Público e de outras entidades, a Lei nº 7347/85 conferiu às associações que tenham por finalidade proteger o meio ambiente o direito de agirem judicialmente. O direito de ação das entidades ambientalistas, contudo, não tem sido utilizado na intensidade que seria desejável. Aparentemente, a dificuldade reside na ausência de recursos financeiros das entidades para contratar permanentemente advogados especializados. Tem-se aventado a formulação legislativa do direito das associações receberem subvenções oficiais. Há o lado positivo: - o dever da sociedade de auxiliar grupos intermediários - mas também o aspecto negativo, que é predominante: a perda de autonomia perante os órgãos públicos.

Essa situação, aliada à grande repercurssão que têm alcançado as medidas intentadas pelo Ministério Público, indica uma clara tendência no sentido de que essa instituição continue a concentrar as iniciativas da proteção do meio ambiente na esfera judicial. O risco então existente é o de que essa demanda de atuação não se faça acompanhar do indispensável e urgente aparelhamento material e humano das curadorias, sem o que ver-ser-ia fragilizada uma instância que até o momento se tem revelado vigorosa e eficaz.

E o Ministério Público cumprirá seu dever constitucional perante a sociedade civil. Isso, porque, somos co-responsáveis pela qualidade de vida do País, com vistas à preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

 

Pablo José Perez Greco
é promotor de Justiça e Curador do Meio Ambiente
Professor de Direito Processual Penal da
Faculdade Católica de Direito de Santos
Fonte: A Tribuna de Santos


 
 
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