Presado Patrício
Ha algum tempo atraz eu tropeçei n'um
artigo de jornal, com um termo novo, complicado, que se enrolava
na lingua e que a gente não podia falar direito: "dendroclastia".
Ainda era vivo bom Lobato do Escândalo do Petroleo e dos
livros infantis, do Urupês e da Menina do Narizinho Arrebitado.
Pois era ele quem usava esse estafermo de palavra
e só depois de ler o artigo é que fiquei sabendo
- dendroclastia é a fúria de destruir as arvores,
"culto" a que o brasileiro se entrega com grande devoção.
E contava a proposito a historia de um português - prefeito
aí pelo interior, que tinha paixão pelas velhas
arvores, que tapava suas feridas com pás de cimento e
que lhes dava muletas para os galhos em ponto de quebrar.
Alguns meses depois, encontrei aí em Itanhaem
gente lá da minha terra que por sinal é também
da mãe do nosso diretor jornalista. E conversa vai, conversa
vem lembrei o melhor jardim de Piracicaba, tão fresco
nos dias de calor, tão cheio de passaros, de velhas arvores
ligadas à meninice dos mais velhos da terra. Então
fiquei sabendo que também um prefeito, do tempo em que
o povo não elegia os seus prefeitos, deitara abaixo o
velho jardim, mandara meter um machado no cerne das minhas arvores,
sacudira os ninhos, expulsara os passaros - para fazer um gramado
"inglês", um jardim europeu!
Disseram-me que a derrubada fôra iniciada
em segredo, à noite para que o povo não se revoltasse
com a violência; deixaram em pé apenas um tronco
esgalhado, que um personagem importante entregara à terra
ainda brotinho.
Mas quando no dia seguinte a gente da minha terra
presenciou a devastação, chorou de ódio
e de revolta, e, pegando no machado, deitou também abaixo
a arvore que as mãos do político plantaram para
que não sobrevivesse nenhuma a lamentar a ausência
das outras companheiras. Porque não é a mão
que planta que consagra uma arvore, ela se consagra por sí
só, pelo consolo de sua sombra, pelo bem que faz, pela
calma que dá.
Eu não quero mais voltar a minha terra.
Para que? Partiu-se um elo da cadeia de recordações:
não há mais o jardim e minhas lembranças
estarão truncadas, procurando as velhas arvores para
se completarem. Hoje eu sei que ninguem frequenta o "gramado
inglês": é um solão de dia e os novos
bancos de granilha são frios à noite; por isso
os velhos da terra não podem mais ir descansar sua velhice
à sombra de suas amigas.
Por que diabo nós, brasileiros, num paiz
tropical, não havemos de nos guiar pelo nosso clima,
pelas nossas conveniências - e ficamos a destruir jardins
cheios de arvores para plantar grama que só dá
sombra e frescura às formigas?
Urbanistas que deixaram nome na adminsitração
das capitais desviavam todo o traçado de uma rua para
poupar uma arvore, como fez Pereira Passos no Rio, quando rasgava
uma via de acesso ao Hotel Gloria; os passantes e carros que
se desviassem um pouco ou para direita ou para esquerda que
o meio da rua era da arvore.
E Prestes Maia em São Paulo? Derrubava
quarteirões para rasgar uma avenida; mas poupava as arvores
existentes, como aquelas da rua São Luiz; que os edifícos
os homens fazem de novo e em pouco tempo mas uma arvore...só
Deus.
E Manequinho Lopes, do Departamento de Parques
e Jardins da Prefeitura de São Paulo? Quando iniciara
as obras do Viaduto do Chá foram condenadas duas palmeiras
Imperiais daquelas do Anhangabaú que em tempo de eleição
viram cabos eleitorais, cheias de cartazes. Pois não
é que o homem dizia que mudava o viaduto mas não
sacrificava as tais duas? E houve briga e discussão até
que se pôs a questão assim: ou o viaduto ou as
palmeiras. E ele teve que ceder. De certo sofreu na carne a
derrubada.
De outra feita iam deitar por terra outras palmeiras
para construir o túnel Nove de Julho. O nosso patrício
convocou a turma da Prefeitura juntou guindastes e caminhões,
desviou o transito, fiscalizou o serviço e transportou-as
todas para a Avenida Brasil e as viu viçosas e crescidas.
Manequinho Lopes nunca foi esquecido e decerto, por justiça,
ha mais passarinhos nas arvores que ele plantou.
Pois é, por causa do que aconteceu lá
na minha terra é que vim trazer um bilhete desse tamanho
ao senhor Prefeito de Itanhaém, pedindo proteção
para as arvores. Aqueles dois exemplares, de raizes nodosas,
puladas como musculos ali atraz da Igreja não foram feitas
para se pregar anúncios de tônicos, pomadas e xaropes
e um remendinho de cimento, posto com geito quando aparecer
algum oco na arvore não custa muito...
E olhe lá aquele matusalem vegetal perto
do cruzeiro, que teve antes um cercado de pedras, tão
pitoresco onde eu ia sempre ouvir cantar uma curruira, o passarinho
mais gracioso que existe. Pois não virou mesmo poste
de fios elétricos? Pois foi.
As arvores também fazem uma cidade e
Itanhaem precisa delas como precisa de seus beirais das casas
de paredes de pedra, do bequinho, para não falar do mosteiro
e da velha igreja.
Dendroclastia é uma palavra muito feia,
parece-se com epidemia, difteria e por ai assim. Não
consinta, Sr. Prefeito, que lhe preguem na administração
semelhante enguiço. E que tal se a sua generosidade nos
brindasse com mais arvores, mais sombra e algumas palmeiras?
Ficariam bem aí pelos largos, e mesmo sem sabiás
as palmeiras são lindas, dão um pitoresco ao logar
e a gente nunca se esquece de quem as plantou.
Verdade seja dita e reconhecida: já
temos motivo de sobra para não esquecer o nosso Prefeito.
Está saltando aos olhos que ele é mesmo aço
de Toledo: da melhor têmpera. Seja também um Mecenas
do reino vegetal e que todos possam gosar aí em Itanhaém
da bemaventurança, da alegria para a alma e para os olhos
- de muitas arvores e muitas palmeiras abanando o ar cá
para a terra.
Sua patrícia admiradora, CILA