Fala-se muito em resgatar a memória de
Itanhaém, diluída ao longo de anos e anos de obscurantismo,
onde a cultura foi relegada a um plano secundário e os
valores genuínos da terra foram, literalmente, descaracterizados.
A ausência de documentos e informações mais
precisas sobre importantes figuras que marcaram a vida cultural
da cidade, dificulta o trabalho daqueles que com perseverança,
tentam buscar no passado subsídios para uma crônica
objetiva das tradições itanhaenses.
Desde os primórdios, sob a influência
e ensinamentos dos monges franciscanos que habitavam o Convento
de Nossa Senhora da Conceição, o povo da Vila
Itanhaém, indistintamente, adquiriu todo o conhecimento
possível da cultura portuguesa, ministrado pelos mestres
religiosos que dirigiam o monastério.
Dentre os itanhaenses que absorveram aqueles
ensinamentos e optaram por transmití-los à posteridade,
destacam-se as figuras maiúsculas de Izaias Cândido
Soares, Benedito Calixto de Jesus, Capitão Antonio Mendes
de Silva, João Baptista Leal, Emygdio Emiliano de Souza
e João Alves Ferreira. Sob a inspiração
do primeiro, a aprovação dos demais e o apoio
entusiasmado da nascente comunidade, foi fundado, em 20 de julho
de 1888, o Gabinete de Leitura Itanhaense, à sombra do
qual, por mais de meio século, o povo da Vila cresceu
em sabedoria e cultura.
O Gabinete de Leitura Itanhaense consitutiu-se,
ao longo desse tempo, no referencial mais significativo da cultura
local.
Herdeiro desses valores desponta, no início
desse século, e se destaca em todos os campos do conhecimento,
o grande Totó Mendes, Antonio Mendes da Silva Júnior.
Foi um itanhaense privilegiado, dotado de uma visão do
futuro acima do normal. Autodidata, desenvolveu tal capacidade
intelectual que o levou a tornar-se líder de sua comunidade.
Desde muito jovem, inspirado nas doutrinas ministradas pelos
religiosos que lecionavam no convento e nas virtudes humanísticas
herdadas de seus antepassados, revelou-se estudioso de diversificadas
disciplinas: música, regência, literatura, jornalismo
e astronomia.
Sensível, fecundo e profundamente religioso,
foi autor de grande número de música sacra: Hinos,
Jaculatórias, Ladainhas, etc. As jaculatórias
e demais cânticos na novena em louvor a Nossa Senhora
da Conceição e Centenário do Divino Espírito
Santo, festejos religosos tradicionais.
Organista inspiradíssimo tocava outros
instumentos musicais, de corda e de sopro, com absoluta perfeição.
Era exímio professor de música. Foi regente da
Banda Musical, de Coral e de um Quarteto de Cordas. Nas festividades
cívicas e religiosas, realizadas no convento, na Igreja
Matriz de Sant'Anna ou no Gabinete de Leitura, executava obras
sacras, eruditas e populares.
Apaixonado por literatura era, como afirmavam
aqueles que provaram de sua intimidade, um "devorador de
livros". Conhecia os filósofos gregos e romanos,
os pensadores antigos e modernos e os grandes escritores e poetas
da língua portuguesa.
Com todo esse cabedal, era homem modesto sem
arrobos de superioridade. Idealista, tinha ânsia de compartilhar
com seus conterrâneos os conhecimentos do qual era dotado.
Com esse objetivo resolveu editar um jornal.
Iniciativa temerária e arrojada pois, na época,
a Vila não dispunha de estrutura financeira para empreendimento
de tal envergadura. Mesmo reconhecendo as dificuldades, não
esmoreceu. Contando com a colaboração de amigos
e admiradores que possuia em Santos e São Vicente, adquiriu
um prelo manual e demais componentes, a partir do que foi possível
concretizar um sonho há muito acalentado: levar ao povo
da Vila Conceição informações, conhecimentos
e entretenimentos!
No dia 2 de fevereiro de 1915 vinha à
público o primeiro número do "Correio do
Litoral", que constituiu-se no marco do jornalismo em Itanhaém.
No início circulava duas vezes por semana. Após
algum tempo tornou-se semanário, tendo sido editado até
o ano de 1922.
A linha editorial da qual jamais se afastou,
era didática, priorizando sempre o incentivo ao prazer
da leitura. Para tanto, convidou as figuras mais expressivas
da Vila para ajudarem na redação do jornal. Passaram
a colaborar, com notícias, artigos, crônicas, contos
e poesias, alguns itanhaenses que já cultivavam o hábito
de escrever, mas não dispunham de meios de divulgação.
Graças ao "Correio do Litoral",
vieram à público os deliciosos "Contos da
Roça", de Emídio de Souza, os artigos e crônicas
de Benedito Calixto, João Alves Ferreira, Antonio Augusto
Bastos e Humberto de Souza Leal, assim como os poemas de Antonio
Pedro de Jesus (irmão de Calixto), Silveira da Motta
e outros.
Colaboraram também figuras expressivas
das letras e do jornalismo de Santos, São Vicente e da
Capital.
Sob os pseudônimos de "Menju",
"João da Praia" e "Parapeguava",
Totó Mendes publicou editoriais, contos, poesias e páginas
de humorismo muito bem elaboradas. Incentivava os leitores a
colaborarem com crônicas e poesias, que por ele eram corrigidas
e editadas.
Essa identificação com o povo,
através do jornal, foi fundamental para que sua liderança
e competência mais se acentuassem.
O sitema de governo municipal, na época,
era parlamentarista, isto é: o povo elegia 7 vereadores
e estes, através do voto, escolhiam o Prefeito, que tanto
poderia ser um deles como alguém alheio a Câmara.
Com 24 anos de idade, em 1914, Antonio Mendes
da Silva Júnior foi eleito vereador e escolhido Prefeito,
cargo que exerceu com diginidade e competência, por sucessivas
reeleições, até o ano de 1924 quando, inconformado
por não poder dar continuidade ao seu arrojado plano
adminsitrativo, face às incompreensões e divergências
políticas, renunciou à vereança e ao cargo
de Prefeito, abandonando de vez a vida pública.
Mas continuou contando com o respeito e a admiração
de seus conterrâneos, nas atividades culturais, jornalísticas
e no exercício do cargo de Escrivão do Cartório
de Registro Civil.
Deve-se destacar, como resultado de sua progessista
administração, a implantação, em
01/09/1918, do primeiro complexo gerador de energia elétrica.
Prevendo o futuro de Itanhaém como Estância Balneária,
deixou traçadas duas avenidas, com 40 metros de largura
cada uma, ligando Itanhaém e Mongaguá. A Condessa
de Vimieiros e a Rui Barbosa. Lamentavelmente as administrações
que se sucederam desprezaram o arrojado projeto, seccionando
essas duas vertentes.
Antonio Mendes da Silva Júnior foi um
homem que honrou e dignificou Itanhaém. Modesto, desambicioso,
pautou sua vida por parâmetros onde se destacaram o caráter,
a honradez e o respeito que sempre devotou a famiília,
a Itanhaém e a Pátria!