Enquanto
os passageiros iam admirando a beleza daquelas praias intérminas
e apreciando o vôo de um bando de gaivotas, que se levantaram
à nossa frente e começaram a cruzar os ares por cima
das nossas cabeças, eu ia me lembrando de uma noite fatídica,
em, que passara por tão maus bocados na travessia do rio
dos Patos, em Suarão; e, com franqueza, fiquei apreensivo,
receioso de que me acontecesse acidente como aquêle. E pedi
a Deus me amparasse e protegesse naquela viagem de experiência
com o novo ônibus, em que estava tomando contáto com
o terreno.
Felizmente
fui passando por todos os riachos sem nada me acontecer. Ao chegar
a Suarão, não entrei pela picada, como costumava fazer;
continuei pela praia. Na entrada de Itanhaém, que dá
acesso à majestosa avenida Condessa de Vimieiros, mais larga
que a avenida São João, em São Paulo, que até
de campo de pouso para pequenos aviões serviu durante muito
tempo, senti uma grande emoção, pos fazia 19 anos
que lá não mais pusera os pés!
Durante
tôda a viagem só vinha ouvindo palavras de exclamação
da bôca dos passageiros: - Que beleza! que espetáculo!
Que pena ser tão longe! E outras frases de quem estaá
encantado e gostando muito do passeio. Era gente que conhecia a
Praia Grande, pela primeira vez, na véspera. De Itanhaém
e sua história nunca tinham ouvido falar.
Ao
entrar na Praça Carlos Botelho, onde fica a igreja Matriz,
o lugar mais central e movimentado de Itanhaém, encostei
o carro bem em frente à padaria que pertenceu ao saudoso
Telmo Diz, um espanhol gordalhão e atarracado, que passou
boa parte de sua vida nessa cidade e aí findou os seus dias,
deixando numerosa descendência. Hoje essa casa de negócios,
tôda remodelada, pertence ao meu velho amigo e patrício
Manuel Jorge, o lusitano mais conhecido e mais popular de todo êsse
litoral. Logo que me viu, foi dizendo:
-
Que vens fazer por aqui, rapaz? Sumiste e não deste mais
a cara? Por onde andaste?
-
E tu, Manuel, que pito tocas? O mesmo de sempre? Não mudas
de emprêgo? Só gostas da boa vida, ein?
Nesta
conversa, com piadas entre dois velhos amigos e conterrâneos,
e rodeado por aquela boa gente com quem me encontrara havia quase
20 anos e a quem estava causando estranheza a chegada de um ônibus
na terra, fato singular, contei-lhes que se tratava de uma excursão,
improvisada à última hora; mas que iria realizar outras,
e que já havia requerido linha regular entre Santos e Itanhaém.
O
pessoal, ao ouvir a notícia, arregalou os olhos e fêz
cara de quem não acreditava na minha história. Um
dêles, olhando-me de sosláio e medindo-me de alto a
baixo disse: Quem é êsse louco? Ao que lhe retruquei
de pronto: Este louco sou eu!
Enquanto
os excursionistas, alegres e satisfeitos, que até pareciam
jovens pares recém-casados, matavam a fome e a sêde
comendo sanduiches e bebendo guaranás, eu indagava de todos
os conhecidos daqueles tempos, dos tradicionais itanhaenses, unidos
como se fôssem uma família. Tendo já desaparecido
alguns bons amigos de outrora, com os quais não só
fazia negócios, mas de quem recebia provas de sincera estima
e amizade, senti profunda amargura, tendo sido essa para mim a nota
dissonante da excursão.
De
repente recebi por trás uma "gravata" de brincadeira.
Era um abraço à traição que me dava
o José Apelian, grande esportista do antigo Espanha F.C.,
o Jabuca de hoje, o qual, com seu irmão Manácio, foi
meu patrão em 1925, quando servia como motorista daquelas
caçambas que, a 300 réis por cabeça faziam
o percurso do Largo do Rosário ao Cassino Miramar, passando
pelas avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias.
-
Sim, senhor, seu Zé! Até as pedras se encontram não?
Olhe: vou levar essa turma até à beira do rio e daqui
a pouco estarei de volta com tempo de bater um papo e matar as saudades;
e já posso ir adiantando a vocês o seguinte: Quando
a linha começar a funcionar de fato, virei morar aqui nesta
terra, ao lado de vocês.
Fonte:
"Correio do Litoral" de 11/10/1964
|
A
Jardineira (o Amarelinho) da linha Santos-Itanhaém
- operou de 1940 a 1952 |
Viagem
Maravilhosa
Pedrinha
|
Férias,
sol, praias, descanso
Da ponte Pênsil o balanço
Divaga nosso pensar...
A estrada reta, asfaltada
Que termina na enseada
Tôda banhada do mar...
E
o ônibus correndo
Vai na areia estendendo
Duas fitas, par a par.
E
a praia vai se perdendo
E o pensamento cedendo
O lugar à fantasia
A batuíra nos segue
A gaivota, o vôo leve
O sabor da maresia.
E
o ônibus fugindo
O sulco vem nos seguindo
Tentando nos alcançar
Barcos
de pesca rodeiam
Grandes rêdes que bloqueiam
Trazendo peixe a fartar...
E crianças descuidadas
Brincam na areia, molhada
D"um fresco banho do mar.
E
o ônibus vai rodando
E as ondas vão procurando
O nosso rasto apagar.
Curvam-se
as fitas; Adeus a praia
Hervas baixas, samambaias
Vê-se o Mosteiro também
E o ônibus buzinando
A todos vai avisando
Chegamos a Itanhaém. |