O Gabinete de Leitura

"...a Câmara desta Vila que sempre arrastou uma existência aflitíssima, pela deficiência e nulidade de suas rendas, entretanto, apesar de sua extrema pobreza, deu 800 mil réis ao Gabinete de Leitura..."

(Benedito Calixto - A VILLA de Itanhaém - 1895)

 

Há mais de um século (1888), enquanto só os mais avançados países da Europa e em menor escala os Estados Unidos, se preocupavam com a cultura do povo, os líderes políticos de Itanhaém, já davam prioridade à cultura do nosso Município, liberando a poquissima verba existente para o Gabinete de Leitura.

Os nossos ancestrais têm muito a nos ensinar...

Naquela época, na maioria dos municípios brasileiros, a cultura do povo não era muito bem vista pela elite dominante. O temor era que seu povo tivesse acesso à cultura, em breve começaria exigir seus direitos, pondo em risco os privilégios do sistema político e social vigente.

A Idéia da Fundação do Gabinete de Leitura

Devemos a Isaías Cândido Soares, junto com João Batista do Espírito Santo a idéia inicial para a fundação do Gabinete. O Isaías era um amante da leitura e grande idealista para os padrões da época.

Dessa foram eles espalharam a idéia entre seus amigos, visando fundar uma Associação Cultural, iniciando pela assinatura de um ou dois jornais.

Nessa época, o Isaías se encontrou com Benedito Calixto, seu parente e amigo de infância que estava de passeio em Itanhaém, e expôs-lhe. De imediato Calixto esposou a idéia, sugerindo entretanto que devia ser fundada uma associação com objetivos mais amplos, ou seja, além dos jornais, deveria ter livros, museu, biblioteca, teatro, conferências, e até aulas noturnas para o povo de Itanhaém.

Calixto aconselhou-o a concretizar rapidamente a Associação Cultural afim de aproveitar a presença em Itanhaém do eminente médico de Santos, Dr. Henrique da Cunha Moreira, que mais tarde foi eleito Deputado da Província de São Paulo.

Muitas pessoas trabalharam com entusiasmo para a fundação, entretanto estas cinco pessoas foram fundamentais:
- Isaías Candido Soares - o idealizador
- João Batista do Espírito Santo - o propagandista
- Benedito Calixto - o aperfeiçoador
- Narciso de Andrade - o incentivador
- João Mariano Soares - o incentivador.

A Reunião da Fundação

Em 20-07-1888, houve a primeira reunião na casa de Manoel Antonio Ribeiro, onde no final, foi lavrada a ata de fundação da Associação Cultural, que recebeu o nome de Gabinete de Leitura.

A Data de Inauguração

No dia 5 de agosto de 1888, na residência do Capitão Júlio Agostinho dos Santos, sob a presidência do Dr. Cunha Moreira, foi solenemente inaugurado o Gabinete de Leitura Itanhaense, em sede provisória.

Naquele dia estavam presentes várias autoridade, a banda de música e o povo em geral, materializando, assim, os ideais de Isaías, João Batista e Calixto.

A Sede Oficial

Em 5 de agosto de 1896, quando o Gabinete era presidido pelo Coronel Narciso de Andrade, foi inaugurada festivamente a sede social, que ficava ao lado do Cruzeiro, na subida da rampa do convento. Em 1996, comemoraríamos o centenário da inauguração daquele prédio histórico.

Biblioteca

Segundo conta o artigo de Vital Ferreira "O Gabinete de Leitura Itanhaense", no relatório de 1896, existiam na sua biblioteca:

- 1043 volumes impressos
- 10 manuscritos de grande valor
- 12 mapas
- 18 jornais (15 por assinaturas e 3 de cortesia)

Exposição

Em maio de 1900, houve uma grande exposição em São Vicente, como parte das comemorações da inauguração do Monumento ao IV Centenário da descoberta do Brasil. O Gabinente de Leitura participou do evento, expondo vários objetos do seu museu, entre os quais as dragonas e as insígnias do Capitão-Mor de Itanhaém de 1700. Onde estariam essas raras relíquias?

Palestra

No dia 8 de setembro de 1922, Benedito Calixto proferiu no Gabinete, brilhante palestra em comemoração ao primeiro centenário da emancipação política do Brasil. Após a palestra, a banda de Itanhaém realizou vários números musicais que encantaram todo povo presente.

Bailes

Afora as dezenas de bailes que se realizaram no recinto do Gabinete, dois devem ser lembrados com destaque, porque foram realizados em junho de 1922 com a presença de pequena orquestra comandada pelo grande Maestro Aurélio Prado.

Museu

Conforme Edson T. Azevedo, no seu artigo "Itanhaém de Outrora" publicado no jornal A TRIBUNA de 7-9-1958, "no Gabinente de Leitura havia dois armários envidraçados, um de cada lado, que continha: dragonas (peças de metal amarelo que os militares usavam no ombro, como distintivo), cartuchos, balas e espadas do tempo da Guerra do Paraguai, livros, medalhas e medalhões, ossário de baleia e peixes, arcos, flechas, colares e objetos de uso dos índios. Havia também retratos de Vitor Hugo, Benedito Calixto, Narciso de Andrade, etc..."

Conforme José Rodrigues Poitena, nascido em Itanhaém, pescador e vereador no período de 1969 a 1972, além das peças acima, havia também pedaçõs de meteoritos, bússolas e peças antigas de canhão.

Teatro

Um pequeno palco foi construído nos fundos do prédio e muitas peças teatrais foram ali encenadas. Em geral eram comédias escritas com a colaboração de Benedito Calixto e Emygdio de Souza.

Na gestão de João Alves Ferreira foi acrescentado um "pano de boca" no palco, com pintura de Calixto, representando as caravelas de Martin Afonso adentrando na barra para a fundação da Vila.

Outras peças foram encenadas no Gabinete, principalmente nas primeiras décadas deste século. Um grande entusiasta do teatro era Emygdio de Souza.

Sua filha Clarice de Souza Mariano, nascida em Itanhaém, informou que trabalhou em várias peças teatrais encenadas no Gabinete, sendo algumas escritas pelo seu pai.

De acordo com a irmã de José Rodrigues Poitena, Thereza de Jesus Poitena, ela também foi atriz de diversas peças teatrais ali encenadas na década de 30. Uma das comédias chamava-se "Um diabo atrás da porta", que fez grande sucesso na época. A Thereza, em sua juventude, também cantava no Gabinete acompanhada de violão.

Concerto de Piano

No final da década de 40, foi convidada uma pianista de São Paulo, de nome Matilde, para dar concerto de piano no Gabinete de Leitura, porém a prefeitura não tinha dinheiro para o pagamento do cachê artístico. O concerto foi realizado com sucesso e como pagamento, a prefeitura deu para a pianista um lote de terreno de 20 x 50 metros aqui em Itanhaém. Como sua irmã veio junto, ela também recebeu de presente um lote com as mesmas dimensões.

O Barbeiro, os Bailes e o Lixo

Conforme relato de antigos moradores, em 1949, um barbeiro chamado Estevam, resolveu fazer um baile de carnaval no salão do Gabinete de Leitura, e como precisava de bastante espaço, pegou os livros, jornais, quadros, armários, etc, e colocou-os no porão sem proteção especial. O baile foi um sucesso. Lotou tanto que arriou o assoalho. Os materiais guardados no úmido porão, não foram recolocados nos seus devidos lugares.

No ano seguinte, lembrando do sucesso anterior, resolveu o Estevam fazer novo baile de carnaval, porém notando que o piso estava arriado, contratou um carpinteiro para fazer o conserto. Antes porém, ele resolveu fazer uma limpeza geral no porão e colocou quase todos os objetos que ali se encontravam, dentro de uma carroça, e em várias viagens jogou toda aquela "tranqueira" fora, no local que hoje é o Mercado Municipal de Itanhaém.

O jovem Francisco Paniquar, então com 25 anos, junto com outros jovens da época, viu o descarregamento daquele "lixo", e sem saber do que se tratava, pegou um dos livros e o levou para casa. Outras pessoas pegaram objetos e livros que já estavam em mau estado de conservação e levaram embora. O livro guardado pelo Paniquar, se encontra até hoje em seu poder, e se refere ao Livro de Registro da Câmara, com 157 folhas manuscritas em ótima caligrafia, e contém nomeações de professores, dotações de verbas para presos, registro de visitas ilustres, registro de circulares do Governo de São Paulo, etc. A data mencionada na primeira folha é de 15 de novembro de 1855, ou seja, é uma verdadeira raridade que poderia ter virado cinza. Outras pessoas de Itanhaém ou região devem ter em suas posses, alguns dos livros e objetos ali jogados fora.

Seria recomendável fazermos uma campanha visando recuperar estas preciosidades.

A Decadência do Gabinete de Leitura

Não devemos censurar com rigidez esse fato lastimável, provocado com certeza, por um jovem humilde que desconhecia o valor histórico daquele acervo. A culpa maior deve ser creditada aos responsáveis da época, que deixaram no mais completo abandono aquele tesouro cultural de Itanhaém, e por que não? do Estado de São Paulo.

A partir de então, vários bailes se realizaram naquele salão, o qual serviu durante muito tempo de sede do Esporte Clube São Paulo.

Os anos foram passando, o prédio se deteriorando e as autoridades se omitindo, até que foi feita a demolição final do agonizado Gabinete de Leitura sonhado para dar cultura e lazer à nossa população. No dia da demolição, não houve festa, nem autoridades e nem a banda tocando...Nesse dia, com certeza, Isaías, João Batista, Emygdio de Souza e Calixto devem ter se remexido de tristeza nos seus caixões.

Nota Final: Para finalizar, desejamos ressaltar que até 1948, o Gabinete de Leitura ficava à disposição dos habitantes de Itariri, e até 1959, ficava igualmente à disposição dos habitantes de Peruíbe e Mongaguá, considerando que até aqueles anos os citados Municípios pertenciam a Itanhaém.

 

Fonte: "Itanhaém Histórias & Estórias" (José Carlos Só)


 
 
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