Filho
da lendária e vetusta Itanhaém, cidade praieira
que tem o seu sonho de tradição embalado nos
sussurros do oceano quando espreguiça a cabeleira de
salsugem na pele fofa das praias morenas. Nascido entre aquela
gente, pacata e despreocupada, que não se impressiona,
ainda mesmo que o vento sul esporeie de rijo o lombo rajado
das ondas fazendo o monstro marinho , altivo e impetuoso,
espadanar-se agressivo nos costões eriçados
do Taquanduva, urrando espumejante... Nascido naquele histórico
rincão que emprestou a magia inspiradora aos poemas
sentimentais de Vicente de Carvalho e ao enamorado pincel
de Benedito Calixto..."
Encontro,
na crônica de mai pai datada de 11.03.1937, quem sabe,
a forma simples de como gostaria, o poeta, fosse iniciada
a biografia da sua curta, porém, fecunda vida.
Assim,
Nilo Soares Ferreira, nasceu em Itanhaém num sete de
abril de mil novecentos e cinco, filho caçula de uma
prole de onze filhos do casal Benedito Antonio Ferreira e
Guilhermina Soares Ferreira.
Sua
infância passou na cidade natal, cercada pela rigidez
paterna (marca dos Ferreira que formou seu caráter
e temperamento) e, por contraste, embalado pelos sons do violino
de vô Benedito - fato que possivelmente explica seu
amor à música. No entanto, foram a sensibilidade,
o gosto pelas letras, a memória privilegiada e os mimos
de vó Guilhermina que forjaram a alma do poeta. E também
sua religiosidade.
Ainda
jovem mudou-se com a família para São Paulo,
onde trabalhou nos Correios e Telégrafos da cidade,
como mensageiro. Completara somente o cruso primário,
mas o auto-didatismo já aflorava. Seu grande sonho:
o curso de Direito, materializado, em parte, quando seu primogênito
ingressou no curso universitário da Faculdade Católica
de Direito de Santos. A morte prematura impediu-o de ver o
filho formado. Foi um auto-didata. Leitor de clássicos
da literatura portuguesa, brasileira e francesa, escrevia
um português correto e costumeiramente em suas crônicas
fazia citações em latim e francês. Casou-se
aos 33 anos com Hermínia Entholzer Ferreira, austríaca,
13 anos mais nova, filha dos imigrantes Hans Entholzer e Anna
Dohnal Entholzer. Certamente foram os meigos olhos azuis da
vienense que puseram fim a sua fama de grande galanteador
e namorador. Apaixonado pela companheira até seu último
olhar, a ela dedicou, entre outros, o poema "Sublime
Inspiração".
Tiveram
três filhos: Nilo Entholzer Ferreira, Carlos Alberto
Ferreira e Guilhermina Ferreira de Oliva.
Marido,
amante, companheiro, pai zeloso, às vezes ranzinza,
mas extremamente carinhoso. De temperamento forte e explosivo,
tinha rigores paternais conservadores. Sua vida foi inteiramente
dedicada à família. Seu amor à música
foi estendido a mim pelo custeio com grande sacrifício
do curso de piano no Conservatório Musical de Santos
e na compra do instrumento, a prestações, em
1957, mas, especialmente, nos versos inspiradores de "Cantam
as Aves".
Mas
o máximo de sua satisfação pessoal eram
os fins de semana e férias na sua terra querida. Em
Itanhaém voltava à infância, dispensava
o permanente terno, gravata e camisa sempre branca da semana
para, de calças de flanela, camisa velha e alpargatas,
reencontrar-se consigo mesmo... Fui sua companheira permanente
de pescarias. Mas momentos havia em que se recolhia a passear
sozinho pela praia da nossa rua - lugar em que hoje com uma
praça a cidade merecidamente reverencia o seu filho
- e sentava no jundú. Creio que ali, naqueles momentos,
ao sabor da maresia e ao som das ondas quebrando na praia
de areias finas e alvas, era tomado pela inspiração
para cantar em versos a sua terra e a sua gente: Itanhaém,
Canção Praiana, Cantiga Praiana, Crepúsculo
Itanhaense, Ilha Queimada, Lágrimas Praianas, Minha
Terra, O Caiçara, Praiana, Trovas Caiçaras,
Trovas Praianas.
Serviu
o Exército Brasileiro na Fortaleza de Itaipú.
Participou da Revolução Constitucionalista de
32. Mas era um amante da paz e as amarguras da guerra inspiraram
o seu "Olhando o Presépio". Para que o filho
Nilo declamasse na escola em comemoração de
um 7 de setembro, criou o épico: Grito da Independência.
Jovem
ainda ingressou como empregado na Companhia Docas de Santos,
onde permaneceu em dedicação exclusiva de trabalho
por 37 anos, falecendo na ativa, faltando quatro meses para
sua aposentadoria planejada. Na Companhia Docas fez carreira
por méritos próprios, ocupando as importantes
chefias do Protocolo Geral, Guarda Portuária e, por
último, Setor de Cálculo e de Exportação.
Chefe rigoroso e funcionário exemplar. Porém,
entre os papéis da burocracia, quando se punha pensativo
a enrolar com os dedos os finos cabelos da fronte, seus subordinados
já sabiam: o poeta assumia a posse da pena! O filho
Carlos Alberto seguiu seus passos na carreira portuária
como, também, na luta mais empenhada pelas tradições
itanhaenses e pela preservação da mãe-terra
tão cantada por papai nos poemas: Andorinhas, Araã,
A canemeira em flor, A flor, Nhacatirões em flor, Tíé
fogo Tié sangue. O filho Nilo herdou a pena fácil.
Para
ambos, agora trovadores, escreveu "Cristo, ó Cristo
meu...". Papai exerceu, também, a função
voluntária de examinador na Escola Docas de Santos
e fez parte do grupo dos Beletristas Portuários, cujo
primeiro número do Jornal "Letras Portuárias",
em janeiro/61, trouxe a homenagem pelo seu falecimento. Mas
foi, por certo, o cargo de Secretário do Movimento
de Entronização da Imagem de Nossa Senhora de
Fátima no cais do porto de Santos, junto com os amigos
Padre Drummond e Engenheiro José Pestana Filho, o seu
maior orgulho. Devoto extremado de Nossa Senhora de Fátima
- sua padroeira que, coincidentemente, trazia as iniciais
do seu nome: NSF.
A
religiosidade foi outra marca pessoal, registrada em seus
versos. Foi Congregado Mariano. Pertenceu à Irmandade
de São Benedito à qual dedicou grande parte
de sua vida. A missa de 7º dia de seu falecimento foi
na antiga Igreja do Sagrado Coração de Jesus
em Santos, por oferecimento daquela irmandade e celebrada
pelo amigo Padre Roberto Drummond Gonçalves, a quem
dedicou o soneto "Reza", escrito alguns meses antes
de falecer. O convento de Nossa Senhora da Conceição
de Itanhaém inspirou "No Tabor Itanhaense".
No seu apostulado leigo exerceu, ainda, a função
de professor de alfabetização de adultos na
Congreção Mariana da Anunciação
e marcou presença por longos anos como vicentino de
São Vicente de Paula. No soneto do seu "Credo"
toda a força da sua religiosidade. Era católico,
apostólico, romano, praticante.
Trazia
nas veias o exercício da política que foi, com
certeza, especialmente em Itanhaem, a causadora de inimizades
e principais dissabores ao longo de sua vida. Não tinha
papas na língua na defesa de sua visão política
e partidária e a pena, antes doce e amorosa diante
de outros temas, tornava-se mordaz e ferina no ataque aos
adversários políticos.
O
poeta chegou a eleger-se suplente de vereador, em 1959, na
Câmara Municipal de Itanhaém, assumindo a edilidade
por curto espaço de tempo.
Nilo
Soares Ferreira cultuava as tradições, os valores
da terra e da sua gente e os cantou em verso e em prosa: a
alvorada dos Reis, a erguida do Mastro e a Festa do Divino,
a Caminhada dos Romeiros para a festa do bom Jesus de Iguape,
as novenas da Senhora da Conceição, a armação
do Presépio. Momentos mágicos da minha infância,
que papai proporcionou com a simplicidade daqueles que transmitem
a história vivida. Pode-se afirmar que o itanhaense
Nilo Soares Ferreira, como bem definido no artigo do crítico
e jornalista Alcides Abrantes, se como poeta teve como ingrediente
maior da sua receita poética o amor a sua Itanhaém,
como pai, fez aflorar, no cotidiano da sua relação
com os filhos, esse mesmo sentimento de forma muito mais intensa.
Esse amor à terra, misturado com a dor da perda, Nilo,
meu irmão, versejou por todos nós em "Divinal
Missão".
Papai
realizou, no ano de 1960, o último de sua vida, com
o cunhado João Entholzer, a caminhada de Itanhaém
à Iguape a pé, pela antiga trilha do Correio
do Imperador. Retornou em frangalhos, pernas e pés
inchados, irreconhecível mas, no olhar, um brilho especial
de intensa felicidade.
Tinha
verdadeira veneração pela mãe. Com o
filho caçula vó Guilhermina até seu último
dia, cada qual afofando, diariamente, o travesseiro do outro,
Não a conheci mas sinto-a, como se com ela tivesse
convivido décadas. Suas estórias sempre lembradas,
os serões no Gabinete de Leitura, suas declamações
de poesias. Pela lembrança da mãe querida o
poeta escreveu uma das suas mais belas crônicas: "SENTIMENTAIS".
A
OBRA
Fazem
parte de sua obra, também: Andorinhas, Beijando as
Nuvens, Crespúsculo, Encantamento, Enlevos, Canção
ao crepúsculo, Impressionismo, Irani, No folhear da
existência, Onda, Presente Celestial (dedicado à
filha), Vai indo o Cruzador (oferecido aos redatores do Jornal
"O Cruzador"). Escreveu, também, trovas saborosas.
Além dos poemas, sonetos, trovas, crônicas e
artigos, deixou escrito o livro PRAIANA, de forte tendência
regional e ainda não publicado. Sua obra mereceu publicações
na Revista Brasilidade, Jornal das Moças, Jornal e
Suplemento A Tribuna, Revista Estrela Azul, Jornal o Diário,
Jornal de Itanhaém e, muito especialmente, no Correio
do Litoral, sob a responsabilidade de um dos prediletos amigos
do poeta, o então jovem Ernesto Zwarg Júnior.
A
MORTE
Madrasta,
ceifou sua vida em pleno vigor dos 56 anos incompletos, Estava
cheio de planos! Iniciara a reforma completa de sua casinha
na Cunha Moreira, rua onde nascera. Planejava, após
sua conclusão, aposentar-se, comprar um jipe e voltar
para a sua velha Itanhaém. Acredito que sua produção
literária se multiplicaria se mais tempo de vida tivesse.
Aquela madrugada chegou, no entanto, e, com ela, a forte dor
no peito que já o impedia de falar, mas não
de sorrir para o filho Carlos Alberto, como a dizer: "está
tudo bem companheiro"!Seu nome está perpetuado
na Praça Nilo Soares Ferreira em Itanhaém; na
rua que leva seu nome em Peruíbe; na cadeira nº
7 da Academia Itanhaense de Letras, por iniciativa de seus
fundadores aos quais a familía será eternamente
reconhecida.
Concluindo,
tentei escrever sobre a figura humana de Nilo sob a visão
da filha, mais sobre o pai do que sobre o poeta, mas com certeza
de que a obra deixada, se pequena em termos quantitativos
foi, contudo, extraída de uma pessoa humana, virtuosa,
sensível e controvertida, mas muito especial que foi
meu pai. Para nós, seus filhos, deixou o legado da
retidão de caráter, o exemplo fundado no estudo,
no trabalho e no esforço próprio. Como herança
a solidariedade do amor ao próximo. Princípios
tão bem expressos no soneto "NÃO"
que nos dedicou. E o orgulho de sermos descendentes diretos
do poeta itanhaense Nilo Soares Ferreira.
Guilhermina
Ferreira de Oliva |